“Fartei-me da Fórmula 1 no dia em que ela se tornou política”. Óscar Góis, jornalista e comentador na Elevens Sports, recupera a frase do colombiano Juan Pablo Montoya, piloto que deixou, em 2006, aos 30 anos, o grande “Circo” para se mudar para os Estados Unidos da América e correr no NASCAR. “Para o ano, a F1 vai à Arábia Saudita. Se não é política ...”, atira. “É um negócio. E um desporto”, acrescenta. “Mais que um desporto, é um negócio”, repete.

Este mundo mágico, de passagem pelo Autódromo Internacional do Algarve, Portimão, tem assistido a diversas mudanças nos últimos anos. Novas escudarias, novos circuitos, em especial de países sem tradição no desporto automóvel que pagam para entrar na temporada, novos comportamentos e nova forma de estar por parte dos pilotos e a tecnologia de ponta a separar e distinguir uns monolugares de outros.

Pedro Lamy, piloto que competiu na categoria rainha do automobilismo, entre 1993 e 1996, admite a falta de “algum carisma” nestes tempos “diferentes”. Para o único corredor português da F1 a pisar o circuito do Estoril (Pedro Matos Chaves e Tiago Monteiro não participaram nos anteriores GP de Portugal), anteriormente “tínhamos uma F1 mais pura”. Uma Fórmula 1 que tinha como pano de fundo “a guerra muito acesa entre Mansel e Senna, ou Senna e Prost”, recorda, com saudade.

Pedro Lamy / TIAGO PETINGA/LUSA

Óscar Góis segue a linha de pensamento e aspira por ver “monolugares que permitam mais ultrapassagens e andem colados ao carro da frente. Voltar às lutas Senna com o Prost. Ou ao despique entre o Jack Villeneuve e Damon Hill, em 1996, no Estoril que revi esta semana. É o que está em falta”, nota.

“Não falta competitividade”, mas o caminho passa por “acabar com equipas milionárias e ter equipas garagistas”, aponta. “Falta uma F1 mais igualitária. Conseguir nivelar mais o pelotão e não ter umas equipas milionárias e outras a lutar pela vida”, acrescenta, algo previsto para 2022.

“O que mudou foi a estrutura, tecnologia, profissionalismo e evolução. O piloto sempre existiu”

Carro ou piloto. O que conta mais? Em conversa com o SAPO24, Pedro Lamy e Óscar Góis, especialista em desporto automóvel discorrem, lado a lado, sobre o assunto.

“As pistas são mais seguras e não desafiam tanto a perícia do condutor”, reconhece Lamy. “A máquina conta mais”, algo que é comum ao todo o desporto automóvel. “A F1 tem os melhores pilotos. O que faz diferença são os carros, hoje em dia, mais simples de guiar, sendo mais complicado tirar algo extra. Mas se olharmos para os anos 80 e 90, os carros também comandavam o pelotão. Os melhores andavam a frente. Se mudassem pilotos, os mesmos carros continuavam, mais ou menos, os mesmos na frente”.

Para o comentador televisivo, “mais do que seres bom piloto tens que ter um bom carro. O Hamilton é fantástico, é o melhor, mas deve muito à estrutura da retaguarda. Ao carro e à estrutura”, atesta. “O que mudou foi a estrutura, tecnologia, profissionalismo e evolução. O piloto sempre existiu. Não é qualquer um que faz o tempo de Bottas e Hamilton. Se calhar o piloto não conta tanto como nos anos 90, mas continua a contar”, frisa.

Pedro Lamy deixa, no entanto, uma ressalva. “Nem sempre o carro que investe mais consegue ganhar. Por norma, o dinheiro é meio caminho andado para o carro ser mais competitivo, mas é necessário muita inteligência e capacidade para que equipa fique melhor do que as outras”, afirma. “A Ferrari não está ao nível da Mercedes e não acredito que tenha menos dinheiro. A Honda investiu e não teve o sucesso desejável”, exemplifica.

“Tenho saudades da antiga F1, mas contento-me com esta”

Numa comparação com as últimas duas décadas do século passado, os pilotos são  “completamente diferentes”, as equipas estão “mais profissionais”, outras “são marcas, como a Haas e a Red Bull que defendem o patrocinador” e “temos as redes sociais”, enumera Óscar Góis, recordando o episódio do hexacampeão inglês em que apareceu vestido com a camisola do movimento "Black Lives Matter".

“O Kimi (Raikkonen) está-se a borrifar para o que esta à volta. É um ser puro e as pessoas gostam dele. Nas conferências imprensa faz um frete”. “As assessorias moldam a cabeça dos pilotos. O (Sebastian) Vettel não tem filtro. Sente saudades da F1 anos 80 e 90. E não está aqui só por dinheiro”, explica.

créditos: Óscar Góis / DR

“O Nigel Mansel, um tipo rude, não tinha espaço nesta era, ou se aparecesse um novo Mansel, não durava dois anos”, defende. “O Lando, Russel ou Albon, que podem ser os futuros campeões do mundo, respeitam-se muito”, compara com o tempo dos anteriores duelos dentro e fora de pistas.

Para o fim de conversa, Pedro Lamy recorda que a Fórmula 1 foi “sempre liderada por um ou dois pilotos, o Schumacher, o Hakkinen e agora o Hamilton”. Por causa dos longos reinados dos últimos anos “talvez, para alguns, não esteja tão interessante como nos anos 90”, relembra.

O saudosismo assola, em parte, o coração do antigo piloto. “Tenho saudades da antiga F1, mas contento-me com esta. Está interessante e continua a ser a categoria rainha”, resume Pedro Lamy.