Apoiantes de González Urrutia e da líder da oposição María Corina Machado concentraram-se em Caracas e noutras cidades venezuelanas para contestar o resultado da eleição de domingo, que, segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), alinhado com o governo, concede um terceiro mandato ao chavista Maduro.

"Devemos permanecer nas ruas, não podemos permitir que nos roubem os votos tão descaradamente. Isto precisa de mudar", disse a administradora Carley Patiño, de 47 anos, à AFP.

Liderada por María Corina Machado, a oposição afirma ter provas da sua vitória, enquanto a comunidade internacional pressiona por uma recontagem transparente dos votos.

Os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos pediram nesta terça-feira a apresentação das atas de votação, ressaltando que as eleições na Venezuela representam “um momento crítico para a democracia no hemisfério”.

María Corina afirma possuir cópias de 84% das atas, que provariam a fraude, e já as publicou em um site.

Pedido de calma

Durante a concentração em Caracas, González Urrutia pediu calma às Forças Armada, após a morte de 11 civis em protestos, nos quais dezenas de pessoas ficaram feridas.

"Senhores da Força Armada: não há razão alguma para reprimir o povo da Venezuela, não há motivo para tanta perseguição", disse o rival de Maduro nas eleições.

O presidente responsabilizou González Urrutia e Machado pela violência nas manifestações e garantiu que "a justiça vai chegar".

"Responsabilizo o senhor, González Urrutia, por tudo o que está a acontecer na Venezuela, pela violência criminosa, pelos delinquentes, pelos feridos, pelos mortos, pela destruição", disse hoje Maduro, no palácio presidencial de Miraflores.

"A justiça será feita contra diabos e demónios. Haverá justiça. Saia do seu esconderijo, senhor covarde!", gritou o presidente mais tarde referindo-se a Urrutia e María Corina, diante de centenas de apoiantes que se concentraram em frente ao palácio.

O alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, e o responsável pela diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, pediram respeito à manifestação pacífica dos opositores.

"Número alarmante"

A ONG de defesa dos direitos humanos Foro Penal relatou que pelo menos 11 civis morreram nos protestos, incluindo dois menores de idade.

"Preocupa-nos o uso de armas de fogo nestas manifestações. O facto de terem ocorrido 11 mortes num único dia é um número alarmante", considerou Alfredo Romero, diretor da Foro Penal.

O procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, também relatou a morte de um militar e anunciou que 749 pessoas foram detidas.

A ONG Encuesta Nacional de Hospitales informou que 84 civis ficaram feridos nos protestos, enquanto o Ministério da Defesa mencionou que 23 militares sofreram ferimentos. O líder da oposição Freddy Superlano foi preso hoje, no que a oposição chamou de "escalada repressiva".

A Força Armada, principal apoio do governo, expressou "lealdade absoluta e apoio incondicional" a Maduro, declarou o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, que respaldou a tese de golpe contra o presidente.

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, pediu que aqueles que questionam e denunciam uma fraude eleitoral "não metam o nariz" nos assuntos internos da Venezuela.

O governo venezuelano expulsou o pessoal diplomático de Argentina, Chile, Costa Rica, Panamá, Peru, República Dominicana e Uruguai, em resposta ao que considera "ações intervencionistas" desses países.

Seis colaboradores de María Corina estão refugiados há seis semanas na embaixada argentina. A líder de oposição denunciou um cerco policial à sede diplomática. A Argentina afirmou que se trata de "assédio" contra sua sede diplomática.

Lula e Biden pedem publicação de atas eleitorais na Venezuela

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o seu par americano, Joe Biden, pediram esta terça-feira (30) a divulgação "imediata" das atas eleitorais na Venezuela, ao conversarem por telefone sobre a situação, informaram o Palácio do Planalto e a Casa Branca.

"Os dois líderes coincidiram na necessidade de que as autoridades eleitorais venezuelanas divulguem de forma imediata informações eleitorais completas, transparentes e detalhadas de cada centro de votação", disse a Casa Branca num comunicado.

O Planalto informou, por sua vez, que "Lula reiterou que é fundamental a publicação das atas eleitorais da eleição ocorrida no último domingo" e que "Biden concordou". Biden "agradeceu a Lula pela sua liderança" na questão da Venezuela, acrescentou a Casa Branca.

Os dois presidentes "partilham a visão de que o resultado da eleição na Venezuela representa um momento crítico para a democracia no hemisfério" e comprometeram-se a manter "estreita coordenação" sobre o assunto, completou Washington.

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, alinhado com o governo, concedeu a vitória das eleições de domingo a Nicolás Maduro para um terceiro mandato de seis anos, um resultado que a oposição denuncia como "fraude".

Milhares de opositores foram às ruas da Venezuela nesta terça-feira para reivindicar a vitória do seu candidato Edmundo González Uruttia, após protestos que deixaram pelo menos 12 mortos e centenas de presos.

'Nada de grave', diz Lula

Mais cedo, Lula havia insistido na publicação dos resultados detalhados, mas classificou o processo no país vizinho como "normal".

"É normal que haja uma disputa. Como se resolve essa disputa? Apresenta a ata. Se a ata gerar dúvida, a oposição entra com um recurso e vai esperar na Justiça o processo. E vai ter uma decisão, que a gente tem que acatar. Estou convencido de que é um processo normal, tranquilo", disse Lula em entrevista hoje a uma afiliada da TV Globo.

"Não tem nada de grave, nada de assustador, vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nada de anormal", acrescentou Lula.

"Na hora que forem apresentadas as atas, e for consagrada que a ata é verdadeira, todos nós temos obrigação de reconhecer o processo eleitoral na Venezuela."

O Brasil é um dos principais aliados do governo venezuelano, embora tenha endurecido o tom com Maduro em tempos recentes "o presidente Maduro sabe perfeitamente bem que quanto mais transparência houver, mais chance ele terá de ter tranquilidade para governar a Venezuela", disse Lula na mesma entrevista.

O Brasil enviou a Caracas para as eleições o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim.

"Amorim esteve com Nicolás Maduro e Edmundo González Urrutia e reiterou a posição do Brasil de seguir trabalhando pela normalização do processo político", informou o Planalto no comunicado.

Antes das eleições, Lula havia admitido ter ficado assustado com as palavras de Maduro sobre um "banho de sangue" nas ruas da Venezuela em caso de vitória da oposição nas eleições presidenciais.