Prólogo

O espião desaparecera.

Era o agente mais bem-sucedido e precioso que os Estados Unidos haviam mantido na União Soviética nas últimas duas décadas. Os seus documentos e desenhos tinham revelado os segredos do radar soviético e planos confidenciais da investigação de sistemas de armamento para a década seguinte. Correra enormes riscos para retirar furtivamente placas de circuitos e planos do seu laboratório militar, entregando-os à CIA. A sua espionagem colocou os Estados Unidos em posição de dominar os céus no combate aéreo e confirmou a vulnerabilidade das defesas aéreas soviéticas – os mísseis de cruzeiro e bombardeiros norte-americanos podiam voar sem serem detetados pelos radares.

Em finais do outono e inícios do inverno de 1982, a CIA perdeu o contacto com ele. Não compareceu a cinco encontros agendados. Passaram-se meses. Em outubro, uma tentativa de encontro fracassou devido à intensa vigilância do KGB na rua. Nem os agentes de «dissimulação profunda» da CIA no posto de Moscovo, invisíveis para o KGB, conseguiam chegar ao espião. No dia 24 de novembro, um agente de dissimulação profunda, ligeiramente disfarçado, conseguiu ligar para o apartamento do espião a partir de um telefone público, mas a chamada foi atendida por outra pessoa. O agente desligou.

Na noite de 7 de dezembro, a data do encontro seguinte, o futuro da operação foi colocado nas mãos de Bill Plunkert. Após um período em que fora aviador da marinha, Plunkert alistara-se na CIA e treinara como agente de operações clandestinas. Tinha entre trinta e quarenta anos, media quase um metro e noventa e chegara ao posto de Moscovo no verão para realizar uma comissão em que seria o responsável por esse espião. Estudou os ficheiros, analisou mapas e fotografias, leu telegramas e falou com os case officers (agentes responsáveis pelo recrutamento e pela gestão de espiões). Sentiu que conhecia o homem, apesar de nunca ter estado frente a frente com ele. A sua missão era esquivar-se do KGB e estabelecer contacto.

É Desta Que Leio Isto: Em fevereiro recebemos João Luís Barreto Guimarães

Acabado de receber o Prémio Pessoa de 2022, o poeta, médico-cirurgião e tradutor João Luís Barreto Guimarães vem ao É Desta Que Leio Isto, o clube de leitura da MadreMedia. "Aberto Todos os Dias", recentemente lançado, e outras obras suas vão ser tema da nossa sessão de 23 de fevereiro.

Nascido no Porto, em 3 de junho de 1967, João Luís Barreto Guimarães é dono de uma carreira assinalável, tendo-se estreado com "Há Violinos na Tribo", em 1989, numa edição de autor.

Desde então, Barreto Guimarães conta com 12 livros de poesia já publicados, sendo que os primeiros sete foram reunidos em 2011, numa "Poesia Reunida", pela Quetzal. A sua obra mais recente, "Aberto Todos os Dias", foi lançada em janeiro deste ano pela mesma editora.

Escrito pela Quetzal como o seu "grande e auspicioso regresso", os poemas do livro "Aberto Todos os Dias" foram "escritos entre 2020 e 2022 no Porto, Leça da Palmeira, Venade, Torre da Medronheira e em algumas cidades dispersas pelo mapa da Europa". "Neste livro evocam-se os dias «do fechamento», mas também, finalmente, aquilo que está «aberto todos os dias» – aberto o livro, aberto o mundo –, aquilo que permanece vivo apesar das pandemias, do esquecimento ou da banalidade, das «coisas à espera de vez»", refere a nota editorial.

João Luís Barreto Guimarães é também médico-cirurgião e professor de Introdução à Poesia para estudantes de Medicina, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto, razão pela qual foi entrevistado pelo SAPO24 em 2021.

Para se inscrever no encontro basta preencher o formulário que se encontra neste link. No dia do encontro receberá um e-mail com todas as instruções para se juntar à conversa.

Além disso, pode ficar a par de tudo o que acontece no clube de leitura através deste link.

Subscreva a Newsletter do É Desta que Leio Isto aqui e receba diretamente no seu e-mail, todas as semanas, sugestões de leitura, notícias e acesso a pré-publicações.

Nos dias anteriores, recorrendo às linhas de telefone locais que sabiam estar sob escuta do KGB, alguns diplomatas norte-americanos haviam agendado uma festa de aniversário para essa terça-feira à noite num apartamento. Na noite em questão, por volta da hora do jantar, quatro pessoas entraram num automóvel estacionado no parque da embaixada dos Estados Unidos, sob vigilância constante de milicianos fardados que aguardavam no exterior e informavam o KGB. Uma das pessoas transportava um grande bolo de aniversário. Quando o carro saiu da embaixada, uma mulher sentada atrás do condutor levava o bolo ao colo.

O condutor era o chefe do posto da CIA. Plunkert ia sentado ao seu lado. As mulheres iam vestidas de negro. Os quatro haviam ensaiado antecipadamente o que fariam, recorrendo a cadeiras do posto de Moscovo. O verdadeiro espetáculo estava prestes a começar.1

A espionagem é a arte da ilusão. Nessa noite, Plunkert era o ilusionista. Sob as roupas civis trazia uma segunda camada, com vestes típicas de um russo idoso. O bolo de aniversário era falso, com uma cobertura que parecia um bolo, mas ocultava um engenho criado pelos génios das operações técnicas da CIA. Plunkert tinha esperança de que esse dispositivo lhe permitisse escapar à vigilância do KGB.

O engenho chamava-se Jack-in-the-Box (boneco de mola dentro de uma caixa), mais conhecido simplesmente como JIB. Ao longo dos anos, a CIA aprendera que as equipas de vigilância do KGB seguiam quase sempre um automóvel pela traseira. Raramente se colocavam ao lado. Era possível um veículo que levasse um agente da CIA, ao dobrar uma esquina ou duas, ficar momentaneamente fora da vista do KGB. Naquele breve intervalo de tempo, o agente podia saltar do carro e desaparecer. Entretanto, o Jack-in-the-Box sairia da caixa, um boneco de cartão que, pelos contornos, se assemelhava à cabeça e ao tronco do agente que acabava de saltar do automóvel.

Para o criar, a CIA enviara dois jovens engenheiros do Gabinete de Serviços Técnicos a uma sex shop sem janelas, numa zona pouco recomendável da cidade de Washington, para comprarem três bonecas insufláveis de tamanho natural. No entanto, as bonecas ou eram difíceis de inflar ou se esvaziavam demasiado depressa. Perdiam ar. Os jovens engenheiros regressaram à loja para obter mais manequins de teste, mas os problemas persistiam. Foi então que a CIA percebeu que, dada a distância a que o KGB seguia os automóveis em Moscovo, não era necessário um boneco tridimensional no banco dianteiro, apenas uma figura bidimensional recortada. A ilusão foi bem-sucedida e assim surgiu o Jack-in-the-Box.2

O truque nunca havia sido utilizado em Moscovo, mas a CIA chegara a um ponto de desespero devido às semanas sucessivas sem qualquer contacto com o agente. Um perito competente em disfarces fora enviado da sede para o posto de Moscovo, de modo a ajudar com o engenho e entregar a Plunkert algum vestuário «estéril» que nunca tivesse sido usado antes, evitando assim quaisquer odores que pudessem ser seguidos pelos cães do KGB, bem como quaisquer dispositivos de localização ou escuta que pudessem estar escondidos no interior das roupas.

Enquanto o veículo serpenteava pelas ruas de Moscovo, Plunkert despiu as roupas civis americanas e colocou-as num pequeno saco do género dos que os russos costumavam transportar. Com uma máscara que lhe ocultava todo o rosto e uns óculos, estava agora disfarçado de russo idoso. A alguma distância, o KGB seguia-os. Eram sete da tarde, muito depois do anoitecer.

O carro dobrou uma esquina, ficando por breves instantes fora da vista da vigilância. O chefe do posto abrandou o veículo com o travão de mão, de modo a evitar ligar as luzes de travagem. Plunkert abriu a porta do passageiro e saltou. No mesmo instante, a mulher do chefe do posto tirou o bolo de aniversário do colo e colocou-o no assento do passageiro, onde Plunkert estivera sentado. A mulher de Plunkert debruçou-se para a frente e puxou uma alavanca.

Com uma pancada seca, o topo da caixa do bolo abriu-se e saíram de lá uma cabeça e um tronco. O automóvel acelerou.

No exterior, Plunkert dera quatro passos no passeio. Ao quinto, o veículo de perseguição do KGB dobrou a esquina.

Os faróis iluminaram um velho russo no passeio e seguiram com grande velocidade em perseguição. O veículo da CIA parecia ter quatro pessoas no interior. Com uma pequena pega, o chefe do posto movia a cabeça do Jack-in-the-Box para um lado e para o outro, como se estivessem à conversa.

O JIB funcionou.

Plunkert sentiu um alívio momentâneo, mas as horas seguintes seriam as mais exigentes. O agente era extremamente valioso, não só para o posto de Moscovo, como também para toda a CIA e os Estados Unidos. Plunkert tinha uma responsabilidade muito pesada. Bastava um pequeno erro para toda a operação fracassar para sempre. O espião seria executado por traição.

Ninguém na CIA conhecia o motivo do desaparecimento do espião. Estaria sob suspeita? Não era um agente profissional de espionagem – era um engenheiro. Teria cometido um descuido? Teria sido detido e interrogado, revelando a sua traição?

Sozinho, Plunkert percorreu as ruas de Moscovo a pé, um cenário frígido de gelo escorregadio e sombras escuras. Pensou que era o ambiente quase perfeito para espionagem. Costumava falar muito consigo mesmo. Era católico praticante e rezou, pequenas orações breves. Cada vez que expirava sob a máscara, os seus óculos embaciavam. Passado algum tempo, tirou a máscara e assumiu um disfarce mais leve. Apanhou autocarros e elétricos numa rota tortuosa até ao ponto de encontro. Esteve atento à vigilância do KGB, mas não viu ninguém.

Tinha de encontrar o espião. Não podia fracassar.

Capítulo Um — ENTRE A VASTIDÃO

Nos primeiros anos da Guerra Fria travada entre os Estados Unidos e a União Soviética, a Central Intelligence Agency guardava um segredo incómodo a respeito de si mesma: nunca conseguira assegurar verdadeiramente uma presença de espionagem nas ruas de Moscovo. A CIA não recrutava em Moscovo, pois era demasiado perigoso – «imensamente perigoso», como recordou um agente – para qualquer cidadão ou funcionário público soviético que pudessem alistar. O processo de recrutamento em si, desde o primeiro instante em que um possível espião era identificado e abordado, acarretava o risco de descoberta por parte do KGB. Se um agente fosse apanhado a espiar, enfrentaria a morte certa. Alguns agentes que se voluntariavam ou eram recrutados pela CIA fora da União Soviética continuavam a fornecer-lhe informações quando regressavam ao seu país. No entanto, na maioria dos casos, a CIA não andava na calada da noite a convencer pessoas a dedicarem-se à espionagem.

Esta é a história de uma operação de espionagem que inverteu o curso dos acontecimentos. No centro está um engenheiro de um laboratório de inovação ultrassecreto, especialista em radares de vigilância aérea e que trabalhava no âmago da instituição militar soviética. Motivado por raiva e vingança, entregou milhares de páginas de documentos secretos aos Estados Unidos, apesar de nunca ter pisado solo norte-americano e pouco saber a respeito do país. Ao longo de seis anos, encontrou-se vinte e uma vezes com agentes da CIA nas ruas de Moscovo, uma cidade repleta de vigilância do KGB, sem nunca ter sido detetado. O engenheiro foi um dos agentes mais produtivos da CIA durante a Guerra Fria, tendo fornecido aos EUA dados que nenhum outro espião conseguira obter.

A operação marcou a passagem da CIA à maturidade, um momento em que concretizou o que há muito considerara inatingível: encontrar-se pessoalmente com um espião nas barbas do KGB.

Depois, a operação foi destruída, não pelo KGB, mas por uma traição interna.

De modo a compreender a relevância desta operação, é importante ter em conta o longo e árduo esforço da CIA para penetrar na União Soviética.

A CIA nasceu em reação ao desastre de Pearl Harbor. Apesar dos sinais de aviso, o Japão conseguiu causar uma surpresa total e esmagadora no ataque de 7 de dezembro de 1941, que vitimou mais de 2400 norte-americanos, afundou ou danificou 21 navios da sua Frota do Pacífico e empurrou os Estados Unidos para a guerra. As informações estavam dispersas por várias agências e nenhuma juntou todas as peças. Uma investigação do Congresso dos EUA concluiu que o processo fragmentado «foi o grande responsável». A criação da CIA em 1947 refletiu acima de tudo a determinação do Congresso e do presidente Truman para que não voltasse a acontecer outro Pearl Harbor. Truman queria que a CIA levasse a cabo uma análise de grande qualidade, objetiva.3 Destinava-se a ser a primeira agência civil centralizada de serviços de informação na história dos Estados Unidos.4

Porém, os planos iniciais da CIA depressa mudaram, em grande medida devido à crescente ameaça soviética, incluindo o bloqueio de Berlim, o controlo crescente da Europa de Leste por Estaline e a obtenção da bomba atómica pelos soviéticos. A CIA rapidamente se expandiu muito para lá da mera análise de dados recolhidos, até à espionagem e às operações secretas. Seguindo uma política de contenção, delineada pela primeira vez no longo telegrama enviado de Moscovo por George Kennan e posteriormente expandida, os Estados Unidos tentaram contrariar os esforços soviéticos para penetrar e subverter governos de todo o mundo. A Guerra Fria começou como uma rivalidade tendo como base a Europa destruída pela guerra, mas disseminou-se grandemente, tornando-se uma luta pelo poderio ideológico, político, cultural, económico, geográfico e militar. A CIA estava na linha da frente. A batalha contra o comunismo nunca se agravou até um combate direto entre superpotências – foi travada nas sombras entre a guerra e a paz, desenrolando-se naquilo a que o secretário de estado Dean Rusk designou como «os becos escuros do mundo».5

Havia, no entanto, um beco escuro demasiado perigoso: a própria União Soviética. Para Estaline, a vitória sobre os nazis na Segunda Guerra Mundial demonstrara que o estado soviético era inabalável. Depois da guerra, de forma intransigente e deliberada, intensificou o sistema violento e fechado que aperfeiçoara na década de 1930, criando uma tensão constante na sociedade, numa luta perseverante contra os «inimigos do povo», «espiões», «céticos», «cosmopolitas» e «degenerados». Era proibido receber um livro do estrangeiro ou ouvir uma emissão de rádio do exterior. Viajar para outro país era quase impossível para a maioria das pessoas e os contactos não autorizados com estrangeiros eram severamente castigados. Os telefones eram postos sob escuta, o correio violado e os cidadãos encorajados a tornarem-se informadores. Era perigoso falar com sinceridade, mesmo nos círculos mais íntimos.6

Este tratava-se de um ambiente hostil para a espionagem. Nos primeiros anos da Guerra Fria, a CIA não estabeleceu um posto em Moscovo e não tinha case officers nas ruas da capital do maior e mais secreto estado monopartidário do mundo. Não podia identificar nem recrutar agentes soviéticos, como fazia noutros locais. A polícia secreta soviética, que após 1954 passou a chamar-se KGB, ou Komitet Gosudarstvennoi Bezopasnosti, era experiente, competente, omnipresente e implacável. Na década de 1950, o KGB já contava com uma vantagem de 30 anos de experiência a levar a cabo as purgas de Estaline, eliminar as ameaças ao domínio soviético durante e após a guerra, bem como roubar os segredos da bomba atómica norte-americana. Nem sequer era possível um estrangeiro iniciar uma conversa em Moscovo sem levantar suspeitas.

A CIA ainda estava muito verde, era uma organização jovem, otimista, ingénua e determinada a alcançar os seus objetivos – um reflexo do caráter norte-americano.7 Em 1954, o general James Doolittle, pioneiro da aviação, avisou que os Estados Unidos precisavam de ser mais implacáveis e de ter mais sangue-frio. «Temos de desenvolver serviços de espionagem e contraespionagem eficazes, e temos de aprender a subverter, sabotar e destruir os nossos inimigos através de métodos mais inteligentes, sofisticados e eficientes do que os utilizados contra nós», referiu num relatório ultrassecreto para o presidente Eisenhower.8

A CIA enfrentava uma pressão intensa e constante para obter informações sobre a União Soviética e os seus satélites. Em Washington, os decisores políticos encontravam-se preocupados com uma possível guerra na Europa – e desejosos de um aviso prévio. Muitos dados estavam disponíveis em fonte aberta, mas não eram o mesmo que verdadeiras informações secretas, incisivas. «A pressão para a obtenção de resultados ia das instruções constantes para fazer “algo” até exigências exasperadas para experimentar “fosse o que fosse”», recordou Richard Helms, responsável de operações clandestinas na década de 1950.9

Fora da União Soviética, a CIA reunia diligentemente informações junto de refugiados, desertores e emigrados. Um pouco por todo o mundo, abordava soviéticos – diplomatas, soldados e agentes dos serviços secretos. Nos campos de refugiados da Europa, a unidade de operações clandestinas da CIA recrutou um exército secreto. Cerca de cinco mil voluntários foram treinados como uma «força de guerrilha pós-nuclear» para invadir a União Soviética após um ataque atómico. Separadamente, os Estados Unidos enviaram paraquedistas solitários para o bloco soviético, de modo a espiarem ou estabelecerem ligações com grupos de resistência. Na sua maioria, foram apanhados e mortos. O chefe da unidade de operações clandestinas, Frank G. Wisner, sonhava penetrar no Bloco de Leste e desagregá-lo. Através de guerra psicológica e ajuda clandestina (fornecimento de armamento, rádios, propaganda), Wisner esperava que as populações da Europa oriental pudessem ser convencidas a derrubar os seus opressores comunistas. No entanto, quase todas essas tentativas de penetrar no território inimigo com operações clandestinas fracassaram. As informações obtidas eram escassas e a União Soviética permanecia inabalável.10

As fontes da CIA ainda se encontravam a ver as coisas do lado de fora. «A única forma de cumprir a nossa missão era desenvolver fontes internas – espiões que pudessem sentar-se ao lado dos decisores políticos, ouvir os seus debates e ler o seu correio», recordou Helms. No entanto, a possibilidade de recrutar e manter agentes em Moscovo que pudessem fornecer informações das decisões tomadas pela liderança soviética «era tão improvável como colocar espiões residentes em Marte», declarou.11 Uma avaliação exaustiva dos dados recolhidos pela CIA a respeito do bloco soviético, concluída em 1953, era negativa: «Não temos informações internas fiáveis sobre o pensamento no Kremlin», reconhecia. Acerca do exército, acrescentava: «Os dados fiáveis a respeito dos planos e intenções de longo alcance do inimigo são praticamente inexistentes.» A avaliação advertia: «No caso de um ataque surpresa, não poderemos esperar obter quaisquer informações detalhadas sobre as intenções do exército soviético.»12 Nos seus primeiros anos, a CIA concluiu que era «quase impossível penetrar com agentes no estado policial paranoico de Estaline».13

«Naquele tempo», declarou Helms, «as nossas informações sobre a União Soviética eram de facto muito escassas».14

Apesar de todas as dificuldades, a CIA conseguiu dois avanços na década de 1950 e em inícios dos anos 60. Pyotr Popov e Oleg Penkovsky, ambos agentes dos serviços secretos militares soviéticos, começaram a espiar para os Estados Unidos. Eram voluntários (não haviam sido recrutados) e apresentaram-se separadamente, revelando segredos à CIA, na maioria das vezes fora de Moscovo. Ambos demonstraram as imensas vantagens de um agente clandestino.

No dia de Ano Novo de 1953 em Viena, um russo baixo e forte entregou um envelope a um diplomata norte-americano que entrava no seu automóvel na zona internacional. Na altura, Viena, ocupada pelas forças norte-americanas, britânicas, francesas e soviéticas, era uma cidade em que se vivia um clima de tensão e suspeitas. O envelope tinha uma carta, datada de 18 de dezembro de 1952, escrita em russo, que dizia: «Sou um agente soviético. Gostaria de me encontrar com um agente americano, com o objetivo de oferecer determinados serviços.» A carta especificava uma hora e um local para o encontro. Naquela época, essas ofertas eram comuns em Viena – havia imensos falsários a tentar ganhar dinheiro com informações secretas forjadas. A CIA tinha dificuldades em avaliá-los a todos, mas desta vez a carta parecia genuína. Ao final da tarde do sábado seguinte, o russo estava à espera no local prometido: nas sombras da entrada de um prédio, sozinho, de chapéu e com um sobretudo volumoso. Era Pyotr Popov, um major de 29 anos pertencente aos serviços secretos do exército soviético, o Glavnoye Razvedyvatelnoye Upravleniye, ou GRU, um parente menor do KGB. Popov tornou-se a primeira e, na altura, mais preciosa fonte militar clandestina da CIA em matéria do funcionamento interno do exército soviético e dos seus serviços de segurança. Entre janeiro de 1953 e agosto de 1955, encontrou-se sessenta e seis vezes com a CIA em Viena. O agente da CIA responsável pelo seu caso, George Kisevalter, tinha a aparência de um urso desalinhado, nascera na Rússia, descendente de uma família importante de São Petersburgo, e emigrara para os Estados Unidos na infância. Com o tempo, Popov revelou a Kisevalter que era filho de camponeses, crescera numa cabana de chão de terra e só aos 13 anos tivera um verdadeiro par de sapatos de cabedal. Sentia um grande ódio pelo que Estaline fizera para destruir os camponeses russos através da coletivização forçada e da fome. Espiava motivado por um desejo de vingança pelo modo injusto com que os pais e a sua pequena aldeia junto ao rio Volga haviam sido tratados. No esconderijo da CIA em Viena, Kisevalter mantinha algumas revistas espalhadas, como a Life e a Look, mas Popov só estava fascinado com uma – o American Farm Journal.15

A CIA ajudou Popov a forjar uma chave que lhe permitia abrir gavetas secretas na rezidentura (ou posto) do GRU em Viena. Popov revelou a identidade de todos os agentes dos serviços secretos soviéticos em Viena, forneceu dados sobre um vasto leque de unidades do Pacto de Varsóvia e entregou várias preciosidades a Kisevalter, como um manual de campo do exército soviético de 1954 sobre a utilização de armas atómicas.16 Quando Popov foi novamente destacado para Moscovo em 1955, a sede da CIA enviou um agente para a cidade, clandestino, com o objetivo de procurar potenciais dead drops, ou locais escondidos onde Popov pudesse deixar mensagens. No entanto, o homem da CIA teve um fraco desempenho, foi apanhado numa armadilha do KGB e posteriormente despedido.17 A primeira tentativa por parte da CIA de estabelecer um posto avançado em Moscovo acabou mal.

Em 1956, Popov foi transferido para a RDA e retomou a espionagem para a CIA, viajando até Berlim Oriental para encontros com Kisevalter num esconderijo. Mais uma vez, revelou-se um agente extremamente produtivo. As suas informações incluíram o texto de um discurso revelador proferido em março de 1957 pelo Ministro da Defesa soviético, o marechal Georgy Zhukov, às tropas destacadas na Alemanha sobre a utilização de armas nucleares na guerra. Em 1958, Popov foi chamado abruptamente para Moscovo e interrogado, e a sua traição foi descoberta. No entanto, o KGB manteve o sucedido em segredo e utilizou-o esporadicamente para passar informações enganadoras à CIA. A 18 de setembro de 1959, Popov entregou uma mensagem à CIA, escrita a lápis em oito tiras de papel enroladas num cilindro com o tamanho aproximado de um cigarro. A mensagem informava a CIA do que sucedera, um derradeiro ato corajoso de revolta por parte de um espião condenado à desgraça. A mensagem foi enviada apressadamente à sede, onde Kisevalter leu o cirílico escrito a lápis nas minúsculas tiras de papel e rompeu em pranto. Popov foi julgado em janeiro de 1960 e executado em junho por um pelotão de fuzilamento.

O Espião de um Bilião de Dólares
O Espião de um Bilião de Dólares

Livro: "O Espião de um Bilião de Dólares"

Autor: David E. Hoffman

Editora: Alma dos Livros

Publicação: 16 de fevereiro

Preço: €19,80

Subscreva a Newsletter do É Desta que Leio Isto aqui e receba diretamente no seu e-mail, todas as semanas, sugestões de leitura, notícias e acesso a pré-publicações.

O segundo avanço começou a desenrolar-se apenas dois meses depois, em Moscovo, a 12 de agosto, por volta das onze da noite.

Dois estudantes norte-americanos em turismo, Eldon Cox e Henry Cobb, passeavam pelo empedrado da Praça Vermelha, ainda molhados de uns chuviscos, a caminho do seu hotel depois de assistirem a um espetáculo no Teatro Bolshoi. Foi então que um homem surgiu atrás deles e puxou a manga de Cobb, com um cigarro na mão e a pedir lume. O homem era de estatura média, vinha de fato e gravata e tinha cabelo ruivo a tornar-se grisalho nas têmporas. Perguntou se eram americanos e, quando confirmaram, começou a falar rapidamente enquanto olhava em volta, para se assegurar de que não era observado. Colocou um envelope nas mãos de Cox e suplicou-lhe que o levasse de imediato à embaixada dos EUA. O jovem, que falava russo, levou-o à embaixada nessa noite. No interior, estava uma carta. «Neste momento», lia-se, «tenho à minha disposição materiais muito importantes sobre muitos assuntos de extremo interesse para o vosso governo». O autor não se identificava, mas anexava uma dica de que outrora estivera destacado em Ancara, na Turquia, pelos serviços secretos militares soviéticos. Forneceu instruções minuciosas sobre como o poderiam contactar – com mensagens numa caixa de fósforos escondida atrás de um radiador no hall de entrada de um edifício de Moscovo. Incluía um diagrama para a dead drop.18

O autor da carta era Oleg Penkovsky, coronel do GRU, um oficial imaginativo, enérgico e confiante que servira com distinção na artilharia durante a Segunda Guerra Mundial. Naquele momento trabalhava na Comissão Estatal para a Coordenação do Trabalho de Investigação Científica, um órgão governamental que supervisionava o intercâmbio científico e técnico com os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e o Canadá, além de servir de capa à espionagem industrial soviética e à aquisição clandestina de tecnologia no Ocidente.

A carta foi entregue à CIA, que de início achou o caso suspeito. Sabiam que os soviéticos tinham ficado profundamente embaraçados com o caso Popov. Seria a carta uma armadilha? Na sede foi tomada a decisão de contactar o autor, mas na altura a CIA não possuía um agente familiarizado com a cidade de Moscovo. O embaixador norte-americano na cidade, Llewellyn Thompson, opunha-se terminantemente à colocação de pessoal da CIA na embaixada. Por fim, no outono de 1960, acedeu a que a sede enviasse um jovem funcionário da divisão soviética para Moscovo, propositadamente para estabelecer contacto com Penkovsky. O agente não falava russo muito bem. A CIA atribuiu-lhe um nome de código: Compass. O rapaz só fez disparates, bebeu demasiado e não conseguiu estabelecer contacto.19

Penkovsky ficou frustrado. Tinha escrito a primeira carta aos americanos em julho de 1960 e passara semanas à procura de alguém para a entregar. «Vigiei a embaixada dos EUA como um lobo, à procura de um estrangeiro fiável, um patriota», viria a recordar.20 Depois de entregar a carta a Cox na Praça Vermelha em agosto, Penkovsky esperou longamente pela resposta da CIA. Não teve notícias. Tentou passar as suas informações através de um empresário britânico, depois por um canadiano, sem sucesso. Estava a ficar desesperado.

Por fim, a 11 de abril de 1961, entregou uma carta a um empresário britânico, endereçada aos líderes dos Estados Unidos e do Reino Unido. O empresário, Greville Wynne, mostrou a carta aos serviços secretos britânicos, o MI6, que a disponibilizou à CIA. Os serviços americanos e ingleses decidiram trabalhar em conjunto para utilizar Penkovsky como espião.

Nove dias depois, Penkovsky foi a Londres enquanto responsável por uma delegação comercial soviética de seis elementos que vinha adquirir tecnologia ocidental – aço, radares, comunicações e técnicas de tratamento de cimento. Era um momento de tensão, pois a invasão da Baía dos Porcos pela CIA em Cuba acabava de fracassar. À chegada, Wynne encontrou-se com Penkovsky no aeroporto e o russo entregou-lhe de imediato um envelope que incluía descrições e ilustrações dos mais recentes mísseis e lança-mísseis soviéticos. Posteriormente nessa mesma noite, Penkovsky saiu do seu quarto no enorme Mount Royal Hotel de Oxford Street, em Londres, e dirigiu-se ao quarto 360. Bateu à porta, vestido de fato, camisa branca e gravata. Quando entrou, foi recebido por dois agentes de espionagem britânicos e dois norte-americanos. «Sabe que está em boas mãos», assegurou um americano corpulento e desalinhado. Era Kisevalter. O russo respondeu: «Pensei nisto durante muito tempo.»

Na conversa subsequente, Penkovsky disse aos agentes norte-americanos e britânicos que a sua carreira de oficial dos serviços secretos soviéticos perdera o rumo e que se sentia amargurado. O pai falecera quando tinha apenas quatro meses e a mãe dissera-lhe que a morte fora provocada por tifo. No entanto, no ano anterior haviam sido encontrados documentos reveladores de que o pai fora tenente no Exército Branco, combatendo os bolcheviques, o que suscitara dúvidas quanto à lealdade de Penkovsky. Foi acusado de ter encoberto o passado. Um destacamento para a Índia não se concretizou, e foi colocado de parte. Odiava o KGB.

Em duas visitas prolongadas a Londres (a primeira em abril e maio de 1961, depois em julho e agosto) e numa deslocação a Paris em setembro e outubro, Penkovsky falou com agentes dos serviços secretos do Reino Unido e dos EUA durante 140 horas, em quartos de hotel cheios de fumo de tabaco, que resultaram em mil e duzentas páginas de transcrições. Penkovsky também lhes entregou 111 rolos fotográficos. Em Moscovo, utilizara uma máquina comercial minúscula da marca Minox para fotografar mais de cinco mil páginas de documentos secretos, quase todos sobre o exército soviético, retiradas das bibliotecas do GRU e do exército. Penkovsky era muito zeloso e corria riscos, tendo numa ocasião fotografado um relatório ultrassecreto mesmo em cima da secretária de um coronel que abandonara momentaneamente o seu gabinete em Moscovo.

Nem todas as conversas com os norte-americanos e os britânicos correram sem sobressaltos. Numa das primeiras sessões no Mount Royal Hotel, Penkovsky apresentou um plano bizarro para sitiar Moscovo e toda a estrutura de liderança soviética. Queria distribuir aleatoriamente vinte e nove pequenas armas nucleares por Moscovo em malas ou caixotes do lixo. Os EUA deveriam fornecer as armas, ensiná-lo a soldá-las ao fundo dos caixotes do lixo e fornecer-lhe um detonador. Foi com grande dificuldade que o dissuadiram dessa fantasia.21

Não obstante, Penkovsky levava a sério a sua missão de espionagem e demonstrou à CIA que um único agente clandestino podia fornecer uma abundância de dados. Quando lhe perguntaram se conseguiria obter cópias da revista Pensamento Militar, destinada aos generais soviéticos, e o instaram a procurar a versão secreta, Penkovsky perguntou se a CIA também queria a ultrassecreta. A CIA não tinha conhecimento da existência dessa versão. Penkovsky forneceu-lhes quase todas as cópias da revista especializada em que os generais soviéticos debatiam conceitos de guerra na era nuclear.22 Os seus relatórios revelaram perspetivas fundamentais das intenções soviéticas durante o bloqueio de Berlim em 1961, informaram o Ocidente pela primeira vez da existência da importantíssima Comissão Militar Industrial (que tomava decisões em matéria de sistemas de armamento) e revelaram pormenores técnicos essenciais dos mísseis de médio alcance R-12 que a União Soviética enviara para Cuba no outono de 1962, sobretudo quanto ao alcance dos mesmos e ao tempo necessário para os tornar operacionais. As informações de Penkovsky (que tinha os nomes de código IroNbark e ChICkaDEE) foram um ingrediente essencial no processo de tomada de decisões quando o presidente Kennedy enfrentou Khrushchev durante a crise dos mísseis de Cuba.23 Os dados de Penkovsky a respeito dos mísseis de médio alcance soviéticos foram incluídos no briefing diário do Presidente durante a terceira semana de outubro de 1962. Além disso, as informações de Penkovsky, a par dos primeiros dados obtidos pelo novo satélite espião Corona, descredibilizaram o mito de que a União Soviética estaria a produzir mísseis balísticos intercontinentais «como se fossem salsichas», como Khrushchev alardeara. A «disparidade de mísseis» não existia.

Na altura, Penkovsky era o agente mais produtivo alguma vez controlado pelos EUA na União Soviética.24 A CIA e o MI6 concordaram em pagar-lhe mil dólares por mês por informações que valiam milhões.25 Após as reuniões em quartos de hotel em Londres e Paris, a operação passou para uma segunda fase, na qual Penkovsky era gerido a partir de Moscovo. Wynne, o empresário britânico que visitava periodicamente a URSS, encontrava-se com Penkovsky, recolhia os dados e passava-os ao MI6. Porém, o agente estava ansioso por lidar diretamente com os serviços secretos norte-americanos e britânicos em Moscovo.

A CIA não estava preparada para isso. Desde o desastre de Compass, estavam a treinar um agente de substituição, mas o substituto desistira à última hora, deixando a CIA de mãos a abanar numa altura crítica. «Tínhamos lá um agente cada vez mais desesperado e extremamente valioso e ninguém em posição de o contactar», recordou um oficial da CIA que esteve envolvido nessa época.26 Além disso, a CIA ainda não tinha equipamento de espionagem adequado para a operação.27

Apesar de os norte-americanos terem desempenhado um papel de destaque nas reuniões dos quartos de hotel em Londres e Paris, os britânicos viriam a dominar a operação em Moscovo. Segundo o agente da CIA acima referido: «O MI6 conseguiu fazer o que nós não conseguimos – conceber e levar a cabo um plano operacional que servisse de fachada para o caso.» Os britânicos escolheram Janet Chisholm, esposa do chefe do posto do MI6, para ser a agente de ligação para Penkovsky. A senhora Chisholm encontrou-se com Penkovsky cerca de uma dúzia de vezes, em receções e numa festa da embaixada britânica, na charcutaria quase vazia do restaurante Praga, numa loja de artigos em segunda mão, num parque e em entradas de edifícios, muitas vezes em condições difíceis, com os três filhos pequenos a reboque. Penkovsky entregou-lhe rolos fotográficos escondidos em caixas de chocolates para as crianças. O russo parecia frenético e motivado. A CIA começou a recear que a frequência dos encontros com a senhora Chisholm fosse exagerada. Quando a CIA finalmente destacou o agente treinado para Moscovo em finais de junho de 1962 para trabalhar no caso Penkovsky, o seu trabalho foi breve. O russo foi visto uma última vez pela CIA numa receção da embaixada norte-americana a 5 de setembro de 1962. Depois, desapareceu.28

Penkovsky tornara-se suspeito aos olhos do KGB, que colocara a senhora Chisholm sob vigilância. Tinham feito um pequeno orifício no teto do escritório no apartamento do coronel e lá deixado uma câmara para o vigiar. Outro aparelho do KGB plantado num edifício vizinho fotografava-o no seu apartamento. Numa busca encontraram a câmara da Minox, bem como métodos para encriptar mensagens e um recetor de rádio que lhe fora dado para comunicações clandestinas vindas do Ocidente. Penkovsky foi detido em setembro ou outubro de 1962. Foi alvo de julgamento público, condenado por espionagem e posteriormente executado a 16 de maio de 1963.29

Ao mesmo tempo que Penkovsky conversava com os agentes norte-americanos e britânicos em quartos de hotel, dois outros oficiais soviéticos voluntariavam-se para se tornarem espiões pelos Estados Unidos, ambos fora da União Soviética. Em 1961, Dmitri Polyakov, um agente dos serviços secretos militares soviéticos destacado para as Nações Unidas, ofereceu a sua colaboração em Nova Iorque e tornou-se uma fonte a que o FBI atribuiu o nome TOPHAT. Depois, em 1962, Alexei Kulak, um agente científico e técnico do KGB, voluntariou-se junto do FBI em Nova Iorque a troco de dinheiro. Para o FBI, tornou-se a fonte FEDORA. Tanto TOPHAT como FEDORA foram mais-valias importantes para a CIA e o FBI em momentos diferentes das décadas de 1960 e 1970, mas foram sobretudo controlados fora das fronteiras soviéticas. Nos becos escuros do mundo, a CIA tinha a possibilidade de recrutar agentes e espiões, bem como de tirar partido de voluntários, mas ainda não o conseguia fazer no âmago da URSS – nas ruas de Moscovo.

Notas

  1. William Plunkert, correspondência com o autor, 28 de março de 2014; telegrama do posto de Moscovo à sede, 8 de dezembro de 1982, 081335Z.
  2. Barry G. Royden, «Tolkachev, a Worthy Successor to Penkovsky», Studies in Intelligence 47, n.o 3 (2003): 22. Também Robert Wallace e H. Keith Melton, Spycraft: The Secret History of the CIA’s Spytechs from Communism to al-Qaeda, com Henry Robert Schlesinger (Nova Iorque: Dutton, 2008), 130-131.
  3. Roberta Wohlstetter, Pearl Harbor: Warning and Decision (Stanford, Calif.: Stanford University Press, 1962), 48-49. Ver também Joint Committee on the Investigation of the Pearl Harbor Attack, «Investigation of the Pearl Harbor Attack», Senado dos EUA, 79.o Cong., 2.a sessão, Relatório n.o 244, 20 de julho de 1946, 257-258. No seu livro de memórias, Truman escreveu: «pensei com frequência que, se houvesse alguma forma de coordenação de informação no governo, teria sido difícil, ou até impossível, os japoneses serem bem-sucedidos no ataque surpresa a Pearl Harbor». Harry S. Truman, Memoirs, vol. 2, Years of Trial and Hope (Garden City, N.I.: Doubleday, 1956), 56.
  4. Woodrow J. Kuhns, ed., Assessing the Soviet Threat: The Early Cold War Years (Washington, D.C.: Center for the Study of Intelligence, CIA, 1997), 1, 3.
  5. A agência destituiu líderes no Irão e na Guatemala, levou a cabo o desembarque abortado na Baía dos Porcos, alertou para a presença de mísseis soviéticos em Cuba e esteve profundamente envolvida na Guerra do Vietname, acabando por organizar um ataque terrestre de grande escala em Laos. Senado dos EUA, «Final report of the Select Committee to Study Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities», 94.o Cong., 2.a sessão, vol. 1, «Foreign and Military Intelligence», pt. 6, «History of the Central Intelligence Agency», 26 de abril de 1976, Relatório 94-755, 109.
  6. Dmitri Volkogonov, Stalin: Triumph and Tragedy, trad. Harold Shukman (Londres: Weidenfeld & Nicolson, 1991), 502-524.
  7. David E. Murphy, Sergei A. Kondrashev e George Bailey, Battleground Berlin: CIA vs. KGB in the Cold War (New Haven, Conn.: Yale University Press, 1997), ix.
  8. «Report on the Covert Activities of the Central Intelligence Agency», Special Study Group, J. H. Doolittle (diretor), Washington, D.C., 30 de setembro de 1954, 7.
  9. Richard Helms, A Look over My Shoulder: A Life in the Central Intelligence Agency, com William Hood (Nova Iorque: Random House, 2003), 124.
  10. Evan Thomas, The Very Best Men: The Daring Early Years of the CIA (Nova Iorque: Simon & Schuster, 1995), 25, 30, 36, 142-152. Também, Senado dos EUA, «Final Report», pt. 6, «History of the Central Intelligence Agency». Richard Immerman, «A Brief History of the CIA», in The Central Intelligence Agency: Security Under Scrutiny, eds. Athan Theoharis et al. (Westport, Conn.: Greenwood Press, 2006), 21.
  11. Helms, Look over My Shoulder, 124, 127.
  12. Gerald K. Haines e Robert E. Leggett, eds., CIA’s Analysis of the Soviet Union, 1947-1991: A Documentary Collection (Washington, D.C.: Center for the Study of Intelligence, 2001), 35-41.
  13. Kuhns, Assessing the Soviet Threat, 12.
  14. Richard Helms, entrevista a Robert M. Hathaway, 30 de maio de 1984, publicada pela CIA em 2004. Hathaway é coautor de uma monografia interna sobre Helms enquanto diretor.
  15. Este relato do caso Popov baseia-se em cinco fontes. William Hood, Mole: The True Story of the First Russian Intelligence Officer Recruited by the CIA (Nova Iorque: W. W. Norton, 1982) é descritivo. Hood era agente operacional em Viena na altura, mas o seu relato é vago quanto a alguns pormenores. Clarence Ashley, CIA Spymaster (Grenta, La.: Pelican, 2004) baseia-se em entrevistas gravadas com George Kisevalter e o autor é ex-analista da CIA. John Limond Hart, The CIA’s Russians (Annapolis, Md.: Naval Institute Press, 2003) inclui um capítulo sobre Popov. Existem mais informações em Murphy, Kondrashev e Bailey, Battleground Berlin. Por fim, para exemplos sobre dados concretos e a sua relevância, ver Joan Bird e John Bird, «CIA Analysis of the Warsaw Pact Forces: The Importance of Clandestine Reporting», uma monografia e recolha de documentos, Central Intelligence Agency, Historical Review Program, 2013. Sobre o American Farm Journal, ver Hood, Mole, 123.
  16. Existem relatórios de espionagem baseados nas informações de Popov em Bird e Bird, «CIA Analysis».
  17. Era Edward Ellis Smith, na altura com 32 anos, que servira em Moscovo na qualidade de adido militar durante a Segunda Guerra Mundial. Foi para Moscovo disfarçado de funcionário de baixo escalão do Departamento de Estado. Popov considerou as suas escolhas de locais para dead drops insatisfatórias. Ver Richard Harris Smith, «The First Moscow Station: An Espionage Footnote to Cold War History», International Journal of Intelligence and Counterintelligence 3, n.o 3 (1989): 333-346. Este artigo baseia-se numa entrevista a Edward Smith, que faleceu num acidente de viação em 1982, bem como nos seus documentos. Existem relatos contraditórios sobre o papel de Smith no caso Popov e quanto ao facto de Popov ter fornecido dados úteis à CIA enquanto esteve em Moscovo. Segundo Hood em Mole, a CIA decidiu não utilizar Popov em Moscovo devido aos riscos. Richard Harris Smith, pelo contrário, refere que Popov, enquanto esteve na capital soviética, informou a CIA do acontecimento político mais importante da década: o discurso secreto de Khrushchev no Vigésimo Congresso do Partido, em que denunciou Estaline, no dia 25 de fevereiro de 1956. Ashley afirma que nunca conheceu Popov. Isso, todavia, não exclui a hipótese de operações. Se já estivesse a realizar dead drops, não haveria necessidade de encontros. Smith teve uma relação com a sua criada russa, que trabalhava para o KGB e tirava fotografias sub-repticiamente. O KGB mostrou as fotografias a Smith e tentou chantageá-lo, de modo que trabalhasse para eles. Smith recusou e confessou-o ao embaixador dos EUA, Charles «Chip» Bohlen. Smith foi chamado à sede da CIA em julho de 1956 e despedido.
  18. Jerrold L. Schecter e Peter S. Deriabin, The Spy Who Saved the World: How a Soviet Colonel Changed the Course of the Cold War (Nova Iorque: Scribner’s, 1992). Trata-se da obra de referência sobre Penkovsky, baseada nos ficheiros da CIA. Ver igualmente Richard Helms, «Essential Facts of the Penkovskiy Case», memorando para o Diretor da CIA, 31 de maio de 1963, e Oleg Penkovskiy, The Penkovskiy Papers (Nova Iorque: Doubleday, 1965), baseado em grande medida nos encontros de Penkovsky com a equipa do Reino Unido e dos EUA. Um relato recente é Gordon Corera, The Art of Betrayal: The Secret History of MI6 (Nova Iorque: Pegasus Books, 2012), 135-183. Ver também Leonard McCoy, «The Penkovskiy Case», Studies in Intelligence, CIA, s.d., desclassificado a 10 de setembro de 2014, e «Reflections on Handling Penkovsky», s.a. e s.d., Studies in Intelligence, CIA, desclassificado a 3 de setembro de 2014. Existem documentos desclassificados disponíveis em www.foia.cia.gov e documentos com mais de 25 anos através da CREST, uma ferramenta de pesquisa eletrónica da CIA, disponível nos Arquivos Nacionais, College Park, Md.
  19. O agente de nome de código Compass chegou a Moscovo em outubro de 1960. O seu disfarce era ser supervisor (basicamente, um porteiro de luxo) na America House, um edifício semelhante a um dormitório para os guardas navais da embaixada dos EUA, entre outros. Como era inexperiente, teve dificuldades. Nas cartas que escreveu à sede, propunha que o potencial novo espião atirasse pacotes com materiais sensíveis de espionagem por cima do muro da America House (com cerca de 3,5 metros) à noite, que apanharia do outro lado. Era uma sugestão estranha, tendo em conta que o edifício estava sob vigilância do KGB. Compass não conseguia encontrar outros locais para dead drops em Moscovo e queixava-se do seu infortúnio. Dois meses após a chegada, não conseguira estabelecer contacto. A 5 de fevereiro de 1961, tentou finalmente telefonar para casa de Penkovsky. Era domingo de manhã. As suas instruções eram para ligar às dez da manhã e falar russo. Ao invés, ligou às onze e falou inglês. Penkovsky, que tinha poucos conhecimentos de inglês e nunca os utilizava em casa, disse-lhe que não compreendia e desligou. Toda a missão de Compass foi infrutífera.
  20. Hart, The CIA’s Russians, 59-60.
  21. McCoy, «Penkovskiy Case», 3.
  22. Ibid., 5.
  23. Christopher Andrew, «Intelligence and Conspiracy Theory: The Case of James Angleton in Long-Term Perspective», apresentação de orador convidado numa conferência, 29 de março de 2012, Washington, D.C., patrocinada pelo Woodrow Wilson Center e o Georgetown University Center for Security Studies. McCoy sugere que a detenção de Penkovsky deverá ter abalado os líderes soviéticos em setembro-outubro de 1962, pois não sabiam o que facultara aos Estados Unidos. McCoy refere que a detenção pode ter minado a confiança de Khrushchev na sua resposta ao presidente Kennedy. «O momento da detenção de Penkovskiy deu a vantagem a Kennedy», escreveu. McCoy, «Penkovskiy Case», 11.
  24. Penkovsky frequentava os altos círculos militares de Moscovo, incluindo a família do general Ivan Serov, o ex-chefe do KGB que à época chefiava o GRU, o que deu ao Ocidente uma noção do pensamento dos líderes militares soviéticos.
  25. Schecter e Deriabin, Spy Who Saved the World, 147. Em Bird e Bird, «CIA Analysis», 13-28, encontram-se exemplos de dados concretos fornecidos por Penkovsky, bem como o conjunto de documentos associados. McCoy apresenta um relato pormenorizado dos dados concretos obtidos na operação. Uma visão mais cética do contributo de Penkovsky para a crise de Cuba é avançada por Len Scott, «Espionage and the Cold War: Oleg Penkovsky and the Cuban Missile Crisis», Intelligence and National Security 14, n.o 3 (Outono de 1999): 23-47.
  26. s.a., «Reflections on Handling Penkovsky», Studies in Intelligence, CIA, s.d., desclassificado pela CIA a 3 de setembro de 2014. Esta monografia foi escrita pelo case officer da CIA que chegou em junho de 1962. Ver p. 53.
  27. Wallace e Melton, Spycraft, 36-39.
  28. s.a., «Reflections», 57; McCoy, «Penkovskiy Case», 9.
  29. Wynne foi condenado a oito anos de prisão, mas libertado numa troca de espiões em 1964.