Em 2015 e 2016 tivemos os #OscarsSoWhite. Começou na Internet, mas a realidade era demasiado óbvia para ser ignorada: a falta de diversidade dos nomeados naqueles anos era gritante. (Durante esses dois anos não houve qualquer ator não branco entre os contemplados.) Protestos e críticas contra uma indústria proeminentemente dominada por homens brancos obrigaram a Academia a agir e, desde então, esta tem conduzido um esforço para mudar este paradigma — só no ano passado foram convidados mais de 800 membros (de 59 países) da indústria para se tornarem membros. Esta madrugada, com a vitória de Parasitas, podemos ter tido um pequeníssimo vislumbre desse esforço — ainda que contasse com apenas uma atriz de cor nas quatro categorias que distinguem as performances individuais.

Só que esta noite ficará para a história como a noite de Bong e do seu Parasitas. O filme do sul-coreano, além de ser o primeiro em língua estrangeira a ganhar o Óscar de Melhor Filme em 92 anos, foi também o grande vencedor da noite ao levar para casa quatro dos seis prémios para os quais estava nomeado. Bong Joon-ho, de resto, avisou mais do que uma vez que ia beber até de manhã durante os seus discursos — e não era caso para menos. Estava a ter uma noite de sonho. Porque não só ganhou o Óscar de Melhor Filme, superando 1917, como ganhou mais três prémios: Melhor Filme Internacional, Melhor Argumento Original e Melhor Realizador. Em suma, se era prémio grande e relevante, bateu a concorrência.


As melhores imagens da noite das estatuetas douradas


No entanto, este foi só o culminar de uma campanha repleta de prémios. Nos BAFTA, já tinha sido distinguido com os prémios de Melhor Filme em Língua Estrangeira e Melhor Argumento; nos Globos de Ouro foi considerado o Melhor Filme Estrangeiro; nos prémios do Sindicato dos Atores dos Estados Unidos venceu a principal categoria, tendo sido a primeira produção estrangeira a consegui-lo. Esta noite? Bom, é o que se sabe. E o Los Angeles Times fala inclusivamente numa certa ironia. Qual? A de que Bong é um estudante e fervoroso admirador do cinema norte-americano. É alguém que cresceu a ver filmes de Hollywood no canal dos soldados dos Estados Unidos que estão na Coreia do Sul, o American Forces Korean Network. E que um dos seus melhores filmes, Memories of Murder (ocupa a 183 posição dos 250 melhores do IMdB) pode ter inspirado o estilo do Zodiac, de David Fincher.

Sobre o grande vencedor desta noite, reitero o que escrevi no artigo de antevisão dos Óscares. A beleza de Parasitas está na sua subtileza pouco subtil.

É um filme sobre classes, feito com classe. Nada acontece por acaso, nada é dito para ser apenas dito. Uma imagem não é só uma imagem. Bong Joon-ho conduz aqui uma das melhores narrativas dos últimos anos - os elogios não são colocados ao desbarato e cada plano assemelha-se a uma aula semiologia social de uma disciplina de cinema na faculdade — Bongjoonlogia — acabada de inventar. A montagem é imaculada e as suas personagens nunca perdem qualquer pingo de humanidade. Há cenas tão intensas que, quando se misturam com os seus planos altamente meticulosos, obrigam o espetador a rir, chorar ou a ter uma reação que não era bem o suposto. Damos por nós a torcer por quem não devemos, a reagir de um modo contrário à racionalidade tal é a sua capacidade em humanizar as suas personagens.

O que se passou com 1917? (O último filme sobre a I Guerra Mundial a receber o prémio mais apetecido da Academia foi Lawrence da Arábia em 1963.) Ter muitas nomeações não é sinónimo de vitória no final. Esta é, de resto, a lição da madrugada.

(De recordar que Titanic (1998) e Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei (2004) ganharam 11 Óscares cada, mas há anos em que acontecem coisas como a que teve lugar ontem)

Com 10 distinções, espalhadas entre categorias de representação e técnicas, O Irlandês, de Martin Scorsese, saiu de mãos à abanar. Tinha um elenco de luxo, um realizador conceituado e uma máquina de promoção por trás. No papel, tinha tudo para dar certo. Mas não deu. Eram essas as expectativas, mas esta madrugada foi noite de reality check. A Netflix apostou forte nesta corrida aos Óscares, mas ficou-se "apenas" com o Melhor Documentário e com o Óscar de Laura Dern. Dois Papas mais O Irlandês, juntos, significavam 13 nomeações; mas a realidade é que no final somaram zero estatuetas. Algo se perdeu a meio do caminho. Para uma plataforma que está a tentar tanto romper com o status quo da indústria, tudo somado, as contas ditam que das 24 nomeações que recebeu, se celebraram apenas duas. Milhões gastos em conteúdo e milhões gastos em campanhas de promoção parecem ainda não ter força para superar os filmes que se encontram no cinema e dos estúdios tradicionais.

De acordo com a VOX, a Netflix gastou 20 milhões de dólares — para cada um — em campanhas para O Irlandês e Marriage Story. A título de comparação, Parasitas custou 11,5 milhões de dólares, segundo a Forbes. Vale a pena recordar que teve uma distribuição nos cinemas "normal" (ao nível de salas que exibiam o filme) no mercado norte-americano — ao contrário do que é costume. E, para um filme com legendas, fez 35 milhões de dólares de bilheteira só nos Estados Unidos. Globalmente, mais de 160 milhões. Tudo números que atestam bem a popularidade deste filme.

Também Joker, de Todd Phillips, partira com 11 nomeações, o maior número da noite, entre as quais Melhor Filme e Melhor Realizador, e obteve apenas duas: Melhor Ator (Joaquin Phoenix) e Melhor Banda Sonora (Hildur Guðnadóttir).

1917 e Sam Mendes, igualmente com 10 nomeações, não ficaram a zeros, mas contaram três Óscares em categorias técnicas: Melhor Mistura de Som (Mark Taylor e Stuart Wilson), Melhores Efeitos Visuais (Guillaume Rocheron, Greg Butler e Dominic Tuohy) e melhor fotografia (Roger Deakins).

Neste lote, Era Uma Vez... em Hollywood, também com 10 nomeações, venceu na categoria de Melhor Design de Produção (Barbara Ling e Nancy Haigh) e o de Melhor Ator Secundário (Brad Pitt).

Para se perceber melhor as contas: Le Mans '66: O Duelo só tinha quatro nomeações, mas ganhou duas técnicas onde 1917 talvez fosse um vencedor provável: Melhor Montagem (Michael McCusker e Andrew Buckland) e Melhor Montagem de Som (Donald Sylvester). Marriage Story tinha seis nomeações, mas só ganhou um Óscar (atriz secundária, Laura Dern). Jojo Rabbit tinha as mesmas seis, mas apenas Waititi venceu na categoria de Melhor Argumento adaptado; Mulherzinhas, também com seis, ficou-se por Melhor Guarda-roupa (Jacqueline Durran). Por fim, Bombshell - O Escândalo acabou com 1 galardão em 3 nomeações ao conseguir o Óscar de Melhor Caraterização (Kazu Hiro, Anne Morgan e Vivian Baker).

Pelo segundo consecutivo, não houve anfitrião com monólogo de abertura. Então a cerimónia arrancou com um número musical — energético, mas nem sempre feliz — de Janelle Monáe, que incluiu "pedaços" de filmes nomeados como Joker, Jojo Rabbit ou Midsommar. Ou seja, celebrar a noite, mas com uma mensagem política.

O resto da noite seria à boleia de caras conhecidas e pequenos "números". Steve Martin (que perguntou a Jeff Bezos, dono da Amazon, se gosta de receber "as suas encomendas em tempo útil"), Chris Rock (que se virou para a audiência e disse: "Mahershala Ali está aqui esta noite e tem dois Óscares. Sabem o que é isso quer dizer quando a polícia o manda parar? Nada"). Kristen Wiig, Julia Louis-Dreyfus, Lin-Manuel Miranda, Will Ferrel foram algumas das outras caras conhecidas. Pelo meio, números musicais: Elton John foi cantar "(I’m Gonna) Love Me Again" de Rocketman (que ganhou) e a jovem Billie Eilish cantou Yesterday dos Beatles no segmento "In Memoriam" — em que a Academia passa um vídeo em homenagem a todas as figuras da indústria que faleceram durante o ano. Porém, o momento alto — pelo menos para os millennials e nem tanto para Martin Scorsese — foi quando Eminem interpretou "Lose Yourself", de 8 Mile — e pela qual ganhou um Óscar em 2002.

Creio que se notou que nesta cerimónia ter somente um anfitrião não é uma coisa necessariamente má.

As nossas previsões bateram certo? Assim-assim

Melhor Filme 

1917
O Irlandês
Jojo Rabbit
Joker
Mulherzinhas
Marriage Story
Era uma vez... em Hollywood
Parasitas (vencedor)
Le Mans '66: O Duelo

As nossas previsões

Quem deve ganhar: 1917
Quem também pode ganhar: Parasitas

Foi uma espécie de celebração geral. Assim que Jane Fonda pegou no envelope e fez aquela pequena pausa antes anunciar o nome do vencedor já se previa que ia sair dali uma surpresa. A vitória de Parasitas não foi só um arremesso no status quo do que habitualmente se vê nos Óscares, celebrou-se um dos melhores filmes do ano sem episódios de Green Book ou Crash (escolhas polémicas e que não agradaram). Basta ver pela reação nas redes sociais às tantas da madrugada para se perceber que a felicidade é geral. Ninguém parece estar particularmente — antes pelo contrário — chateado com o desfecho.

Foi um bom ano e com excelentes filmes. 1917 era o favorito, pois vinha de uma senda vitoriosa que passou pelos BAFTA, Globos de Ouro e do Sindicato dos Produtores, mas na hora da verdade os Parasitas foram mais resilientes. (E em maio já tinha sido o primeiro filme sul-coreano a ganhar uma Palma de Ouro, em Cannes). Bong Joon-ho, nos bastidores da cerimónia, citado pela agência Lusa, disse que é "uma pessoa muito estranha" e que se limitou a fazer o que sempre fez. Até pode ter sido, mas fez muito mais do que isso. É que esta madrugada bateram-se os milhões de Box Office de Joker, a máquina de O Irlandês e uma história de Hollywood em Era uma vez... Hollywood. De acordo com o The New York Times, que cita um trabalhador sul-coreano, nota que a indústria de cinema da Coreia do Sul "fez 100 anos o ano passado" e que ainda assim, com a vitória desta noite, "os sul-coreanos podem estar orgulhosos".

Melhor Realizador

Bong Joon-ho (Parasitas)
Sam Mendes (1917)
Todd Phillips (Joker)
Martin Scorsese (O Irlandês)
Quentin Tarantino (Era uma vez... em Hollywood)

As nossas previsões

Quem deve ganhar: Sam Mendes
Quem também pode ganhar: Bong Joon-ho

Previsão errada, mas dentro daquilo que era expectável. Senão era um, seria o outro. Contudo, na hora da vitória, houve direito a humildade contagiante: "O lado mais pessoal é o mais criativo". A frase tinha um destinatário que até "adormeceu" durante a atuação surpresa de Eminem — Martin Scorsese não aguentou a pressão e fez a foto viral da noite.

Bong Joon-ho também guardou palavras de amor para Quentin Tarantino — literalmente. "Quentin, I love you". E explicou que só agora está a ser reconhecido nos Estados Unidos, mas que o realizador de Era uma vez... em Hollywood merecia as suas palavras de carinho, porque já o colocava nas suas famosas listas de filmes anuais antes de ser conhecido.

Mas Bong não contava com este prémio. "Depois de ganhar para Melhor Filme Internacional, pensei que estava feito o dia e estava pronto a relaxar", rematou.

O sul-coreano considera que as legendas já não são uma barreira para os espetadores. Há redes sociais, YouTube, Netflix e outras plataformas semelhantes. "Penso que, naturalmente, chegará um dia em que, quando um filme em língua estrangeira ganhar, não terá tanta importância", disse.

Joon-ho mencionou que as divisões entre filmes asiáticos, europeus ou norte-americanos são desnecessárias. "Se perseguirmos a beleza do cinema e nos focarmos no charme individual que cada obra tem, iremos ultrapassar estas barreiras".

O realizador também falou da sua vitória como melhor realizador frente a ícones da indústria, em especial Martin Scorsese, do qual disse ser um grande admirador. "Ter sido nomeado com ele foi uma grande honra", declarou, revelando que está a trabalhar em dois novos projetos, um em coreano e outro em inglês.

De acordo com a agência Lusa, Na sala de entrevistas, a produtora Kwak Sin Ae, disse que ganhar apenas um Óscar já seria uma tremenda celebração. Agora, só consigo imaginar o que não vai na cabeça de todo o elenco durante este momento — e nos próximos dias. Mas o que isto significa ao certo?

"Significa que este filme foi votado pelos membros da Academia, e percebi que isso assinalaria o início de um tipo diferente de mudança para o cinema internacional, não apenas para a Coreia", disse a produtora.

Melhor Atriz

Cynthia Erivo (Harriet)
Renée Zellweger (Judy)
Scarlett Johansson (Marriage Story)
Charlize Theron (Bombshell)
Saoirse Ronan (Little Women)

As nossas previsões

Quem vai ganhar: Renée Zellweger (Judy)
Quem também podia ganhar: Scarlett Johansson (Marriage Story)

Há alguns anos que já não ouvíamos falar de Renée Zellweger, mas o seu nome foi um daqueles que surgiu logo no início de todos os prémios. Era também um dos mais fáceis de prever. Trata-se de um belo regresso ao jeito de que Hollywood gosta. Já tinha sido nomeada por Diário de Bridget Jones (2002) e Chicago (2003) e tinha, inclusivamente, vencido o Óscar de Melhor Atriz Secundária no ano seguinte em Cold Mountain (2004). Esta madrugada, porém, teve o azar de discursar depois de Joaquín Phoenix — viesse quem viesse após tamanho discurso emocionado do ator de Joker, era difícil conseguir rematar com o que fosse. Optou por agradecer literalmente quase a meio planeta (a sério, agradeceu à mulher que interpretou, Martin Scorsese, Neil Armstrong, Bob Dylan, às outras nomeadas e mais uns quantos nomes de que me esqueci). Junta o Óscar ao prémio dos BAFTA, Globo de Ouro, Critics Choice Awards e Sindicato dos Atores.

Melhor Ator

Joaquin Phoenix (Joker)
Leonardo DiCaprio (Era uma vez... em Hollywood)
Antonio Banderas (Dor e Glória)
Adam Driver (Marriage Story)
Jonathan Pryce (Dois Papas)

As nossas previsões

Quem deve ganhar: Joaquin Phoenix

Quem também pode ganhar: Adam Driver

Era prémio que estava pré-entregue. Aliás, na categoria de atores, não houve qualquer surpresa. Todos estavam fechados antes da cerimónia. Mas foi Phoenix que fez o discurso mais elaborado da noite. "Penso que nos tornarmos muito desligados do mundo natural. Somos culpados por esta visão global egocêntrica; nós acreditamos que somos o centro do universo". Falou sobre como exploramos os animais — vacas — para nosso proveito sem pensar duas vezes nas nossas ações.

Disse ainda que tinha noção de que noutros tempos foi um ator e colega de trabalho difícil, mas que estava grato a quem lhe deu uma segunda oportunidade. "Eu tenho sido um patife na minha vida. Tenho sido egoísta. Por vezes, tenho sido cruel e difícil de se trabalhar, e estou extremamente grato por muitos de vocês, aqui nesta sala, me terem dado uma segunda oportunidade", disse.

Para terminar, emocionado, citou as palavras de River Phoenix, irmão que faleceu em 2003, aos 23 anos. "Salva com amor e a paz seguir-lhe-á".

Joaquin Phoenix já tinha estado nomeado três vezes: O Mentor (2013), Walk the Line (2006) e por Gladiador (2001).

Melhor Atriz Secundária

Laura Dern (Marriage Story)
Florence Pugh (Mulherzinhas)
Margot Robbie (Bombshell - O Escândalo)
Kathy Bates (Richard Jewell)
Scarlett Johansson (Jojo Rabbit)

As nossas previsões

Quem vai ganhar: Laura Dern
Quem eu gostava que ganhasse: Ana de Armas ou outra

Tinha dito que era uma das vitórias anunciadas que me fazia confusão por considerar o papel muito semelhante ao que interpretou na série Big Little Lies da HBO. Não é que não fosse um papel forte, porque o era. A advogada era determinada, feminista e de convicções fortes. Só que vi demasiadas parecenças. Não fui assaltado por aquela surpresa inerente a uma interpretação que vale Óscar. Não como aconteceu com Florence Pugh. Depois de ver Mulherzinhas senti uma necessidade que imediata para saber quem era e que papéis tinha feito.

Mas depois das vitórias sucessivas que vinha a ter nos prémios que antecederam aos Óscares, era preciso uma surpresa muito grande. Ainda assim, no seu discurso, falou como o caminho está trilhado para a geração vindoura. Ela que até celebra 53 anos esta segunda-feira.

"Fui abençoada por interpretar mulheres extraordinárias. Há cinco anos não teria tido a oportunidade de interpretar uma advogada de divórcio assim ou a CEO de uma empresa tecnológica", disse. "Há papéis mais excitantes para desempenhar", confessou.

Agradeceu à mãe e atriz Diane Ladd — uma "enorme influência" na sua vida. Laura Dern aproveitou ainda para revelar que "a principal mudança que vimos nos últimos anos é que as vozes importam".

Melhor Ator Secundário

Brad Pitt (Era uma vez... em Hollywood)
Al Pacino (O Irlandês)
Joe Pesci (O Irlandês)
Anthony Hopkins (Os Dois Papas)
Tom Hanks (Um Amigo Extraordinário)

Quem vai ganhar: Brad Pitt 

Quem eu gostava que ganhasse: Estou feliz e contente com o Cliff / Brad Pitt

Há que ser honesto, a primeira coisa que me passou pela cabeça ao ver Pitt a subir ao palco foi "não vai dar para chegar aos 56 anos e ter aquele aspeto".

Assim que tomou a estatueta em mãos fez questão de dizer aos presentes que os "45 segundos" que lhe deram para fazer o seu discurso de agradecimento já tinham sido mais do que aqueles que o Senado norte-americano deu a John Bolton durante o julgamento do impeachment [destituição] de Donald Trump. Estava dada a alfinetada política.

Mas ao olhar para DiCaprio e dizer que é para continuar a conduzi-lo (tal como a sua personagem fez no filme) para irem beber uns cocktails como se fosse a coisa mais natural do mundo, também é outra coisa que não vai dar — pelo menos para mim.

Pitt arranjou forma de agradecer a DiCaprio a parceria em Era uma vez... em Hollywood dizendo ao seu colega que as boleias para irem beber uns cocktails, tal como fizeram ao logo filme, eram para continuar.

Mas a realidade é quer ver Pitt esta madrugada só deixa uma pessoa mais entusiasmada. Pena é que tanto entusiasmo seja agora confrontado com anunciada ausência. "Está na hora de desaparecer por um bocado e voltar a fazer coisas", rematou. Resta saber quais serão, pois eu cá estarei para ver.

Ah! Pitt assumiu ainda que sempre teve problemas com os discursos porque o deixam nervoso e que desta vez tentou fazer um esforço — até pediu a amigos engraçados para o ajudarem. Pessoalmente, eu achei que esteve excelente — fez piadas e referências inusitadas, como a menção ao seu perfil de Tinder, nos Prémios SAG, e a piada sobre "Titanic", nos Globos de Ouro. Ainda assim, ver um homem que tem a carreira que tem a quebrar ao receber o primeiro Óscar da carreira é sempre algo que mexe com uma pessoa: afinal, é tão humano como qualquer outro.

Pitt — excedendo largamente os ditos 45 segundos — agradeceu ainda a DiCaprio e deixou palavras de zelo a Tarantino. "Foi uma temporada muito especial". E se foi. Para Cliff Booth também.

Melhor Argumento Original

Rian Johnson (Knives Out: Todos são suspeitos)
Noah Baumbach (Marriage Story)
Sam Mendes & Krysty Wilson-Cairns (1917)
Quentin Tarantino (Era uma vez… em Hollywood)
Bong Joon-ho (Parasitas)

As nossas previsões

Quem deve ganhar: Quentin Tarantino
Quem também pode ganhar: Bong Joon-ho (e Han Jin Won)

Previsão semi-errada. É certo que eram os dois favoritos à partida. Joon-ho ganhou nos BAFTA, mas Tarantino tinha saído por cima nos Globos e nos Critics' Choice Awards. Mas pensei seriamente que esta iria para Quentin Tarantino. Com a bitola da realização e de Melhor Filme fora da equação, e sendo este um dos seus melhores trabalhos dos últimos anos, pensei realmente que fosse uma questão resolvida. No entanto, não podia estar mais errado.

"Nunca escrevemos para representar os nossos países, mas isto é o primeiro Óscar da Coreia do Sul", revelou Bong quando recebeu o primeiro dos seus quatro Óscares da noite — sempre com a ajuda de uma tradutora, apesar de este falar num inglês bem percetível.

EPA/ETIENNE LAURENT

Melhor Filme Internacional

Corpus Christi - A Redenção (Polónia)
Dor e Glória (Espanha)
Honeyland (Macedónia)
Os Miseráveis (França)
Parasitas (Coreia do Sul)

As nossas previsões

Quem deve ganhar: Parasitas
Quem também pode ganhar: Dor e Glória

Esta distinção veio com pouca surpresa. Aliás, era aqui que, se tudo corresse como esperado, se ficavam os prémios para a produção sul-coreana. Mas não. Pouco depois do Argumento Original, assegurou-se nova vitória. "Estou pronto para beber até de manhã", disse Bong quando aceitou o Óscar. Mal sabia ele aquilo que ainda ia acontecer depois — Melhor Filme e Melhor Realizador.

Melhor Fotografia

Rodrigo Prieto (O Irlandês)
Lawrence Sher (Joker)
Jarin Blaschke (O Farol)
Roger Deakins (1917)
Robert Richardson (Era uma vez… em Hollywood)

As nossas previsões

Quem deve de ganhar: Roger Deakins
Quem poderá ganhar: Lawrence Sher ou Robert Richardson

Esta era daquelas que parecia fácil e de facto acabou por não haver surpresas. Mesmo numa noite em que as coisas não correram de feição a 1917 esta era difícil de escapar. Roger Deakins é uma espécie de Thomas Newman. Só em 2018 é ganhou (por Blade Runner: 2049) — e foram precisas 13 nomeações para que o britânico levasse o Óscar. CV? Os Condenados de Shawshank, Fargo, Este País Não É Para Velhos, Skyfall e mais uns poucos. Cabelos brancos de qualidade. 

Melhor Filme de Animação

Como Treinares o Teu Dragão: o Mundo Secreto
J’ai Perdu Mon Corps (I Lost My Body)
Toy Story 4
Klaus
Mr. Link

As nossas previsões

Quem deve de ganhar: Toy Story 4
Quem poderá ganhar: Klaus

Previsão acertada. Ficou mais uma vez provado que a máquina Pixar tem muita força apesar dos bons filmes que se fizeram este ano. Toy Story 4 ganhou o Óscar uma década depois de o 3º episódio da saga ter ganho e este é o 10º filme da Pixar a ganhar uma estatueta desde que a categoria foi criada, em 2001. O primeiro Toy Story é de 1995, o segundo de 1999. Ou seja, demasiado cedo para terem ganhado qualquer coisa.

Um dos seus responsáveis, Mark Nielsen, revelou que o filme é um "carta de amor" às suas famílias e que a equipa da Pixar tem orgulho em fazer filmes familiares. Ora, qualquer um que siga os seus filmes só pode concordar. Eu gosto das aventuras de Woody tanto como qualquer outro, mas acho que este ano a história de Klaus sobre o Natal é familiar o suficiente para levar mais qualquer coisa do que uma nomeação. Isto se considerarmos que o truque é ser um filme familiar, porque I Lost My Body foi aquele que me encheu as medidas.

Melhor Argumento Adaptado

Steven Zaillian (O Irlandês)
Greta Gerwig (Mulherzinhas)
Taika Waititi (Jojo Rabbit)
Anthony McCarten (Dois Papas)
Todd Phillips & Scott Silver (Joker)

Quem deve de ganhar: Greta Gerwig
Quem poderá ganhar: Taika Waititi

Previsão errada. Havia ali uma opção para falhar. Mas ao vencer nesta categoria, Taika Waititi tornou-se na primeira pessoa com descendência Maori a ganhar um Óscar — tanto que dedicou o prémio aos "miúdos indígenas no mundo que querem fazer arte, dançar e escrever histórias".

"Nós somos os contadores de histórias originais, e nós conseguimos ter sucesso aqui [na cerimónia] também", disse no seu discurso. No encontro com a imprensa, nos bastidores, citado pela agência Lusa, aprofundou um pouco o seu trabalho.

"No final da guerra havia uma regra clara, quem era nazi ia para a prisão. Agora, as regras mudaram e quem é nazi faz manifestações e chama os companheiros. Esta é a altura perfeita para um filme como este. Sinto que se tornou mais importante e relevante hoje", disse.

Melhor Banda Sonora

Hildur Guðnadóttir (Joker)
Alexandre Desplat (Mulherzinhas)
Randy Newman (Marriage Story)
Thomas Newman (1917)
John Williams (Star Wars: A Ascensão de Skywalker)

As nossas previsões

Quem deve de ganhar: Hildur Guðnadóttir (Joker)
Quem poderá ganhar: Thomas Newman (1917)

Hildur Guðnadóttir ganhou o Óscar e rompeu com 22 anos consecutivos da Academia a dar o prémio a compositores masculinos (John Williams tem, relembro, 54 nomeações no total). No seu discurso, pediu às "meninas, mulheres, mães, filhas" para se fazerem ouvir. Emmy, Grammy, Globo de Ouro, BAFTA e agora o Óscar. Não se pode dizer que tenha sido um ano mau para a islandesa. Compôs uma das melhores bandas sonoras de 2019 e merece totalmente a distinção. Muita da essência e força da melancolia esquizofrénica de Joker é da sua responsabilidade.

Esta vitória significa também que Thomas Newman vai ter de esperar mais um bocado para ganhar um Óscar. Em 13 nomeações, ficou sempre a ver alguém a subir ao palco e a fazer um discurso de agradecimento.

Melhores Efeitos Visuais

Vingadores: Endgame
O Irlandês
Rei Leão
1917
Star Wars: A Ascensão de Skywalker

As nossas apostas

Quem deve de ganhar: Rei Leão
Quem poderá ganhar: 1917

Nem foi para a Marvel, nem para o Rei Leão. Acabou mesmo por ir para 1917 e servir quase como prémio de consolação mal-amanhado. Numa noite que prometia tanto, Melhor Fotografia e Efeitos Visuais têm de saber a pouco.

Era uma das apostas à priori e assim se veio a confirmar. No entanto, se é o objetivo é falar sobre regalo ao ao nível visual, não sei se Rei Leão não sofreu pelo facto do grande parte da crítica considerar que é copypast do original. Tenho para mim que devia de ganhar nesta categoria, mas aceita-se bem a hipótese.

American Factory
American Factory créditos: 2020 Getty Images

Melhor Documentário

Democracia em Vertigem
Honeyland
Para Sama
The Cave
Uma Fábrica Americana

As nossas previsões

Quem deve ganhar: Uma Fábrica Americana
Quem pode ganhar: Para Sama 

Acabou por ganhar o favorito. Uma Fábrica Americana, que conta a história da Fuyao em Moraine, Ohio, nos Estados Unidos. O nome é estranho porque é a essência do documentário é esse: chineses com mentalidade chinesa a trabalhar (e mandar) numa fábrica americana nos EUA. Resultado? Tentativas de formar um sindicato de trabalhadores num contexto de choque de culturas — e visões díspares do que é ética de trabalho.

A realizadora Julia Reichert, de 73 anos, trava uma batalha contra um tipo de cancro que não tem cura. Ao The Hollywood Reporter confidenciou antes da cerimónia de que pode "tanto ter seis meses [de vida], como um ano ou mais". Foi portanto bastante significativo que ganhasse após quatro nomeações.

O Óscar de melhor documentário foi apresentado no Dolby Theatre pelo ator Mark Ruffalo, que notou que quatro dos cinco documentários de longa-metragem na corrida pela estatueta dourada foram realizados ou co-realizados por mulheres.

"Não temos de fazer as coisas da mesma forma que os homens", disse Reichert. "Quando vim aos Óscares pela primeira vez, em 1977, isto era um mar de homens brancos", lembrou. "Está a melhorar. Como é que isso aconteceu? Não foi por causa de mulheres individuais", disse durante o discurso desta madrugada.

Entregues as estatuetas só podemos dizer: para o ano há mais.