O presidente russo Vladimir Putin assinou esta terça feira uma lei que já tinha sido aprovado pelas duas câmaras do parlamento russo -com 385 votos a favor, um contra e uma abstenção. Que lei? A que afirma que não há uma lei relativa a maus tratos ou abusos. Na Rússia, passarão a ser considerados ferimentos graves, que obriguem vítima a ir ao hospital ou a faltar ao trabalho, ou agressões continuadas. Se a continuidade resultar em morte? Azar.

Assim, num retrocesso civilizacional a violência doméstica deixou de o ser. "Na cultura familiar tradicional da Rússia, a relação entre pais e filhos é baseada na autoridade e no poder dos pais e as leis devem apoiar a tradição familiar", palavras de Yelena Mizulina, deputada conservadora. "Não queremos que as pessoas sejam presas por dois anos ou consideradas criminosas para o resto da vida por causa de uma chapada".

Segundo os próprios dados do governo do senhor Putin, cerca de 36 mil mulheres são agredidas diariamente na Rússia. Os estudos dizem que existem cerca de 26 mil crianças espancadas pelos pais anualmente.

Não haverá, a partir desta lei e da sua aprovação, espaço para vítimas, só para violência.

Se já é tão complexo conseguir denúncias e queixas, agora teremos um silêncio agravado pelo silêncio cúmplice do Estado.

Em pleno século XXI, as mulheres já perceberam que a causa que muitas advogam em prol da paridade está cada vez mais longe de não ser imprescindível . Da Rússia aos Estados Unidos da América, nesta nova era, as minorias permanecem o elo mais fraco. Será até de considerar que na intimidade do lar, portas fechadas para os outros, existem muitas famílias cujo peso da violência está sempre na ordem do dia e, como tal cenário não é novidade, para quê ralarmo-nos?

A falência de valores e o caminho para a não-evolução reflectem a perda de uma ética e de uma deontologia social. A mãe Rússia é, afinal, um pai. Um pai hostil, com o poder de fazer o que lhe passar pela cabeça. Na Idade Média, discutia-se se as mulheres possuíam alma. Hoje urge discutir se a Humanidade ainda se lembra dos preceitos fundadores das sociedades e das religiões, entre os quais está liberdade de se viver com dignidade e sem violência.

Vivemos dias tristes para os homens e para as mulheres. Não se afasta este terror nem com várias chapadas.