Estas eleições europeias tornaram-se uma espécie de referendo: quantos são os cidadãos que querem o desenvolvimento de uma Europa multicultural que tem como pilares a liberdade, a solidariedade, os direitos humanos, a defesa da diversidade e a proteção social, ou seja, os que querem a sobrevivência e até o reforço da União Europeia?; e quantos são os que querem derrubar este modelo, com retorno às fronteiras, à soberania nacional e adesão a uma retórica tóxica de não respeito pelos adversários e ódio aos refugiados, emigrantes, muçulmanos, ciganos e quase tudo o que seja diferente?

Saber se há mais eurodeputados mais para a esquerda ou mais para a direita, sendo relevante, não é a questão essencial nestas eleições. O que há para ver é que modelo de Europa pode funcionar nos próximos anos.

Todos os barómetros indicam que, nestas eleições, vai acabar a maioria absoluta das duas famílias políticas dominantes nas últimas décadas. Os conservadores (herdeiros da democracia-cristã) e os social-democratas têm pela frente a perda de uns 100 lugares no Parlamento Europeu. Estes partidos têm formado o bloco europeísta e vão agora precisar de concertação, designadamente com os liberais e os verdes para que a Europa continue a avançar unida.

Os que querem a desagregação europeia têm prometido mais de 20% do próximo parlamento europeu. Há quem ouse prognosticar 30%. Vão introduzir muita algazarra.

A Europa, debilitada e até exausta após as últimas crises (a crise financeira que se tornou económica e social, a crise dos refugiados, o Brexit, o avanço da extrema-direita hostil à integração europeia), está confrontada com a incerteza sobre o futuro próximo.

O economista francês Thomas Piketty, autor do livro O Capitalismo no Século XXI, que já vendeu 2,5 milhões de exemplares, analisa que “a Europa andava há muito a brincar com o fogo e tudo ficou em chamas com a péssima gestão da crise de 2008, a mais grave desde a II Grande Guerra; os dirigentes europeus focaram tudo na rápida redução do défice sem terem em conta que isso matava o desenvolvimento, o que avivou o ressentimento das classes populares e levou a reações irracionais à base de xenofobia e estigmatização”.

É agora reconhecido por quase todos o desastre, principalmente para as gerações jovens que têm de suportar o custo de más opções de gente mais velha.

Piketty, numa crónica no Le Monde admite que o mal europeu vem mais detrás: “Desde 1992, as classes populares na Europa estão a exprimir desacordo face às propostas de construção europeia, enquanto as classes mais ricas e mais favorecidas as apoiam”. Numa entrevista ao Libération, Piketty explica que nas classes populares está instalada uma noção de que “o atual sistema mundializado beneficia quem tem melhores rendimentos e prejudica os outros”. Piketty faz as contas e conclui que as distorções da fiscalidade europeia penalizam as classes mais baixas.

É assim que muitos eleitores europeus estão a fugir aos partidos tradicionais e a mover-se em todas as direções, muitos voltam-se para partidos antissistema, mobilizados para desacreditar tudo o que tenha a ver com União Europeia.

O italiano Matteo Salvini é o novo cabeça de cartaz desta Europa em guerra contra a Europa. Tem com ele, na linha da frente, a francesa Marine Le Pen, o polaco Kaczynski e o húngaro Viktor Orbán, este um chefe político que defende a “democracia não liberal”. Todos vão ter presença forte no próximo Parlamento Europeu: Salvini prepara-se para triunfar no voto dos italianos, Le Pen discute com Macron o primeiro lugar em França e Orbán deve voltar a ser primeiro na Hungria.

Há, neste momento, uma novidade inédita na União Europeia: partidos que se assumem de extrema-direita estão no governo de nove dos 28 países membros. A extrema-esquerda governa na Grécia (embora seja complexo considerar o atual Syriza como extrema-esquerda) e o Cinco Estrelas (também com muitas ambiguidades) faz parte do governo italiano, dominado pela Liga, de extrema-direita. Há estranhos apoiantes destes partidos em guerra com a Europa: Putin (que exibe grande simpatia por Le Pen, Salvini e pela extrema-direita austríaca) e Bannon, o estratego de Trump.

Esta direita radical vai agitar muito os debates no Parlamento europeu, mas o conjunto alargado dos partidos europeístas vai continuar a fazer maioria.

A presença dentro de casa de um adversário fortalecido talvez venha a levar os europeístas a avançar com reformas necessárias.

Há que tratar mudanças essenciais, adaptando a economia e o sistema europeu de proteção social às novas realidades.

Está pela frente uma grande batalha em torno da Europa do futuro próximo.

VALE TER EM CONTA:

Os europeus querem o mundo mais verde: as questões ambientais juntam-se às migrações no topo das preocupações de cidadãos europeus.

Começou em Veneza, e vai até novembro, a Bienal de arte contemporânea. Um guia para as exposições. Também aqui.

A luta para salvar os elefantes.