Catarina (nome fictício) tem 29 anos e não hesita em dizer que não quer ter filhos. O motivo pode surpreender: devido ao estado do planeta.

"As alterações climáticas são um problema que me preocupa bastante no meu dia a dia e que mudou o meu estilo de vida. Portanto, se afeta as pequenas ações, acho que é normal que afete as grandes decisões também", começa por contar ao SAPO24.

"Infelizmente, acredito que não estamos no bom caminho no que diz respeito a políticas e mudanças que possam realmente fazer a diferença. Vejo cada vez mais notícias negativas, mais consequências, e quem tem o poder de implementar ações significativas continua ou a assobiar para o lado ou a atirar-nos areia para olhos, porque o que conta é o lucro e a riqueza de uns poucos", denuncia.

"Estamos a chegar ao ponto de não retorno e não quero impor esse mundo a ninguém"

Por isso, deixar que as novas gerações vivam ainda pior não é uma opção que encare de ânimo leve. "Estamos a chegar ao ponto de não retorno e não quero impor esse mundo a ninguém. Vamos deixar de ter acesso a água potável como temos hoje, as temperaturas vão continuar a aumentar, há territórios que vão desaparecer com a subida do nível das águas do mar, vamos ter refugiados climáticos, a agricultura e a indústria não vão conseguir dar resposta alimentar ao aumento de população. Se eu acredito que a minha geração ainda vai assistir a este cenário meio apocalíptico, nem quero imaginar como é que a vida vai ser quando as crianças de hoje tiverem 80 anos. Se ainda houver sequer vida humana na Terra nessa altura", diz.

Mas há sempre uma réstia de luz. "Pode até ser que a esperança que ainda tenho vença e venha a ter filhos, mas nesse caso será para ensiná-los a ter respeito pelo planeta, para que possam de alguma forma fazer a diferença", garante.

"Não há muito respeito pela decisão do outro neste tema e ainda menos compreensão se o motivo for a preocupação climática"

Contudo, tem consciência que as suas decisões podem não impactar assim tanto os outros. "Eu gostava de dizer que estas decisões podem influenciar outras pessoas a cuidar do planeta, mas não sei se é verdade. Ter filhos ainda é muito visto quase como uma obrigatoriedade do casal. As pessoas nem questionam se queres ou não queres ou mesmo se consegues ou não. Quantos de nós já não ouvimos a incómoda pergunta 'então quando é que tens filhos?' e se explicamos que não queremos, seja qual for a razão, a resposta muitas vezes é 'não sejas parva', 'que pena, os filhos são a melhor coisa do mundo' ou 'depois mudas de ideias'", enumera.

"Não há muito respeito pela decisão do outro neste tema e ainda menos compreensão se o motivo for a preocupação climática. É considerado um exagero. Por isso, acho difícil sensibilizar alguém a partir desta ação, embora por vezes seja uma decisão muito dolorosa e que a pessoa não faria se a situação climática fosse outra", nota.

Apesar de tudo, Catarina não está sozinha na decisão. "O meu namorado partilha da minha opinião e tenho um amigo que também não quer ter filhos em parte por esta razão. Tenho ideia que há mais pessoas nesta situação, mas ou não conheço ou as pessoas não o dizem". O movimento BirthStrike, criado em 2018, mostra precisamente que esta é cada vez mais uma realidade, já que se baseia na "recusa de procriar até que a humanidade tenha resolvido as suas próprias questões sociais/ambientais/económicas", por considerar que "não ter filhos é a decisão mais impactante que uma pessoa pode tomar para reverter as alterações climáticas".

"Precisamos que as próximas gerações estejam informadas e preocupadas com estas questões"

Olhando para tudo o que a rodeia, não tem dúvidas de que o caminho passa por transmitir mais informação que possa mudar comportamentos. "Faz muita diferença abordar estes temas nas escolas e nas universidades. A educação é a melhor forma de empoderamento e, mais do que nunca, precisamos que as próximas gerações estejam informadas e preocupadas com estas questões", afirma. "Só assim será possível ter futuros líderes que implementem medidas concretas e com impacto real, que percebam que sem respeitar o planeta não restará ninguém para dar lucro àqueles que protegem".

"A geração Z é um bom exemplo disso, já mostra muita preocupação e ação. Em parte porque sempre ouviram falar destes temas ao crescer e agora estão atentos, informados, querem fazer parte da mudança. Na escola ensinaram-lhes que as suas ações individuais eram importantes e que só temos um planeta onde viver, por isso temos de cuidar dele", evidencia.

E dá um exemplo concreto. "Eu olho para o meu sobrinho de quatro anos, vejo-o a separar o lixo, a poupar água, e sei que isso vem do que aprende na escola e do que os pais lhe dizem em casa. A educação é mesmo muito importante. Mas não deixa de ser um pouco triste que uma criança tenha de ter esta responsabilidade e que os adultos continuem a estragar o seu futuro".

Uma ajuda para perceber as atitudes humanas face ao ambiente

Das escolas às universidades, é cada vez maior o cuidado em falar do planeta e de temas relacionados com o ambiente e alterações climáticas.

Recentemente, a Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa (FCH-Católica) anunciou mesmo o lançamento de um novo programa de mestrado em Psicologia e Sustentabilidade Ambiental, com o objetivo de "formar os profissionais qualificados na área para aplicarem o conhecimento de todos os subdomínios da Psicologia na compreensão das atitudes humanas relacionadas ao meio ambiente e para responder à emergência climática que o mundo enfrenta".

"Se perguntarmos a qualquer pessoa se tem preocupações com o ambiente, a resposta será 'sim'"

Augusta Gaspar, coordenadora do Mestrado, explica ao SAPO24 que compreender estas atitudes das pessoas "sintetiza a ideia de que, antes de qualquer intervenção, precisamos de reunir conhecimento fundamental sobre os processos envolvidos e sobre as representações que as pessoas têm das questões ambientais e dos contextos em que formaram essas representações".

"Isto é crucial para podermos aferir a melhor forma de mudarmos o que for necessário mudar — seja a motivação das pessoas para a mudança de hábitos, seja a intenção ou flexibilidade das organizações para a mudança de práticas, seja a perceção que certos grupos têm do tema, ou ainda a forma como se comunica sobre o assunto, que tem muito impacto em todas estas mudanças. Estamos, por conseguinte, a falar de uma análise fina porque, na verdade, se perguntarmos a qualquer pessoa se tem preocupações com o ambiente, a resposta será 'sim', e se lhes perguntarmos se é a favor de protegermos o ambiente, a resposta será 'claro que sim!'", nota.

"Os nossos estudantes vão ter contacto com informação atualizada sobre a emergência climática que vivemos"

Todavia, "é quando entramos na esfera de comportamentos específicos que as coisas se complicam", afirma. "As pessoas podem partilhar o valor, muito abstrato, de que devemos proteger o ambiente, mas estarão elas disponíveis para sair da sua zona de conforto e, por exemplo, separar o lixo, reparar objetos e reutilizá-los em vez de comprar novos, não comprar fast fashion, não tomar banho de imersão, não usar ar condicionado, não comer carne, usar transportes públicos, usar mais comboio e menos avião, ver os rótulos da origem da madeira ou do chocolate que compram, reduzir o consumo de produtos que 'viajaram' do outro lado do planeta, como as frutas tropicais ou os mil artigos manufaturados na China e na Índia?"

Além destes temas, o caso de Catarina, que se prende com a questão da natalidade, também poderá ser tema de análise neste mestrado. "Os nossos estudantes vão ter contacto com informação atualizada sobre a emergência climática que vivemos, mas vão sobretudo aprender a investigar as causas da inação climática, por um lado, e a promover a mudança de comportamento, de práticas institucionais e políticas ambientais. Este exemplo poderá vir a ser um tema falado e analisado, como tantos outros da atualidade", frisa a professora.

"O objetivo do mestrado não é propriamente alertar as pessoas para a crise climática, mas, fazendo uso de conhecimentos e metodologias da Psicologia, contribuir para a mudança de comportamento das pessoas e das instituições, assim como para a mudança das políticas no sentido de um enfrentamento mais motivado e eficaz da emergência ambiental", evidencia.

Com a duração de dois anos, o mestrado em Psicologia e Sustentabilidade Ambiental combina conhecimentos de diferentes subdomínios da psicologia para compreender e promover o comportamento pro-ambiental e a sustentabilidade, tanto a nível individual como coletivo.

As aulas têm início em setembro de 2024 e as candidaturas já estão abertas. "Os candidatos que me vão chegando já são pessoas atentas à situação e com essa preocupação bem vincada, o que é natural. Com os conhecimentos que vão adquirir poderão contribuir, em vários setores de atividade, para a mitigação da crise climática", nota Augusta Gaspar.

"Os nossos estudantes vão ter contacto com informação atualizada sobre a emergência climática que vivemos, mas vão sobretudo aprender a investigar as causas da inação climática, por um lado, e a promover a mudança de comportamento, de práticas institucionais e políticas ambientais", remata.