O presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa, Pedro Rupio, alertou hoje para o risco de uma grande abstenção, caso a repetição das eleições legislativas no círculo da Europa seja exclusivamente presencial.

Pedro Rupio falava à agência Lusa a propósito da decisão do Tribunal Constitucional (TC), que declarou, por unanimidade, a nulidade das eleições legislativas no círculo da Europa, que terão de ser repetidas.

“Era uma decisão relativamente expectável, mas que não deixa de ser surpreendente”, disse Rupio, enumerando o seu principal receio: “Se daqui a 10 dias tivermos o voto unicamente presencial, sem a possibilidade de votarmos por via postal, isso irá implicar uma redução muito significativa da participação eleitoral das comunidades portuguesas na Europa e, no melhor dos casos, poderemos atingir níveis de participação similares às das presidenciais de 2021”.

Pedro Rupio lembrou que “a questão dos votos nulos não é um problema recente”.

“Já são questões identificadas nas eleições de 1995, 2009, 2019. Adiou-se um problema que nunca foi resolvido e agora creio que será urgente rever a Lei Eleitoral para que este tipo de situações não se repita no futuro”, apontou.

Sobre o impacto da decisão, e toda a polémica que a antecedeu, Pedro Rupio reconhece que existe um “desconforto”.

“Temos de esperar provavelmente mais um mês para termos um novo Governo, um novo parlamento, e há questões que precisam de ser trabalhadas pelas autoridades competentes, há matérias das comunidades portuguesas que precisam de ser rapidamente tomadas em consideração e sem um novo parlamento e um novo governo teremos de esperar e isso gera algum desconforto”, disse.

O presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa referiu que, antes da decisão do TC, hoje conhecida, “havia um sentimento de frustração”, porque “80% dos votos tinham sido anulados e as pessoas tinham a certeza de que o seu voto não tinha sido contabilizado”.

“Hoje, com a repetição das eleições, se forem votadas unicamente de forma presencial, isso vai afastar muitas pessoas”, disse Rupio, receando que a abstenção de 98% nos círculos da emigração, registada nas anteriores presidenciais, poderá repetir-se.

“Muito provavelmente, com este cenário de repetir eleições de forma presencial”, isso “irá afastar muitas das pessoas que conseguiram votar por via postal, porque é mais fácil, porque não exige uma deslocação até um consulado, muitas vezes a dezenas ou centenas de quilómetros de casa”, salientou.

“O que me incomoda bastante é que, até há uns dias, estávamos a falar de um feito histórico - a participação de mais de um quarto de milhão de portugueses residentes no estrangeiro - e hoje estamos a falar de uma situação oposta”, afirmou.

Sobre responsáveis, considerou que “todos têm culpas”.

“O que me interessa mais é que a Lei Eleitoral seja revista, de forma urgente, para evitarmos isto no futuro. São problemas já identificados há 27 anos e não podemos continuar sistematicamente com o mesmo problema no futuro, porque temos de incentivar a participação eleitoral da diáspora e não o contrário”.

O TC decidiu, por unanimidade, declarar a nulidade das eleições legislativas no círculo da Europa, que terão de ser repetidas, anunciou o presidente, João Caupers.

Mais de 80% dos votos dos emigrantes do círculo da Europa nas legislativas de 30 de janeiro foram considerados nulos, decisão tomada no apuramento geral dos resultados, na sequência de protestos apresentados pelo PSD após a maioria das mesas ter validado votos que não vinham acompanhados de cópia da identificação do eleitor, como exige a lei.

De acordo com o TC, estão em causa 151 mesas de voto do círculo eleitoral da Europa.

Como esses votos foram misturados com os votos válidos, a mesa da assembleia de apuramento geral acabou por anular os resultados em várias mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los uma vez na urna.

França

Portugueses em França estão satisfeitos com a decisão do Tribunal Constitucional (TC) de repetir as eleições no círculo da Europa, mas avisam que a participação da comunidade vai baixar devido ao voto presencial e perda de confiança nas instituições.

“Eu fiquei admirado de ver que os votos foram anulados. Chega-se a uma pouca-vergonha no sentido de não se contar os votos dos emigrantes. Agora, se volta a haver uma eleição, acho que é uma boa decisão”, afirmou António Costa, presidente da associação Union Luso Française Européenne (ULFE) em Dijon, em declarações à Lusa.

“É importante porque vem afirmar, apesar de tudo, que os votos dos portugueses no estrangeiro contam e que não há zonas de não-direito. Era evidente que se isto acontecesse com os votos dos portugueses que votam em Portugal, nunca se admitiria 80% de anulação”, declarou Luísa Semedo, conselheira das comunidades portuguesas eleita em França.

No entanto, o caráter presencial da repetição do sufrágio pode prejudicar a participação que tinha aumentado devido ao voto postal, com França a contar com cerca de 400 mil votantes inscritos e a terem votado neste escrutínio mais de 70 mil.

“Vai ser uma hecatombe. Já por si, há uma diferença entre voto presencial e voto postal. Nós ganhámos imenso em participação nestas eleições e agora vamos perder não somente todos os votos de pessoas que estão mais longe, mas das pessoas que perderam confiança”, explicou Luísa Semedo.

Para António Costa, o consulado mais próximo para votar é em Lyon, o que significa uma deslocação de 200 quilómetros a partir de Dijon. Para este emigrante há 52 anos em França, as pessoas precisam estar “muito motivadas” para fazer 400 quilómetros num dia para depositarem o seu voto nas urnas.

Com as eleições a acontecerem já no dia 27 de fevereiro, este é um escrutínio que vai exigir “muita energia” por parte das autoridades portuguesas e também das forças políticas.

“É uma eleição que vai exigir muita energia, muito tempo e, claro, muito dinheiro porque é preciso refazer a campanha”, considerou Marie-Helene Euvrard, presidente da Coordenação das Coletividades Portuguesas de França (CCPF), relatando que há muitas questões na comunidade sobre como é que os votos foram anulados nas mesas e também sobre os “jogos de influência” na contagem.

Estas queixas repetem-se em Dijon, onde António Costa tem ouvido comentários por parte de quem frequenta a ULFE.

“Nós ouvimos na associação que não vale a pena votar porque ‘o nosso voto não conta’. Não é muita gente, mas ao almoço é verdade que as pessoas falam. Tanta coisa para uma pessoa ir votar, nós votámos por correspondência, enviámos tudo a tempo e horas. E chega-se ao fim e os emigrantes não contam”, lamentou.

Para Luísa Semedo este é o momento de começar a reconstruir a confiança com os portugueses que vivem na Europa.

“A nível prático e político, [esta nova eleição] é um desastre porque há imensa gente que não vai votar de novo e é uma perda de confiança colossal. É muito complicado gerar confiança, é uma das coisas difíceis de alcançar e, muito rapidamente, se perde. Agora é um trabalho de insistir”, concluiu a conselheira.

Alemanha

Elementos da comunidade portuguesa a viver na Alemanha estão divididos entre a frustração e a satisfação depois do Tribunal Constitucional (TC) ter hoje decidido declarar a repetição das eleições legislativas no círculo da Europa.

A decisão do TC, tomada por unanimidade, obriga à repetição das eleições, o que para Viviana Silva, presidente da Associação de Pós-graduados Portugueses na Alemanha (ASPPA) acaba por ser um pouco “frustrante e revoltante”.

“Exercemos o nosso direito, foi anulado por questões que me transcendem, e agora, votarmos novamente depois de já sabermos os resultados, e não havendo a possibilidade de voto por correspondência, é uma pouca-vergonha. A adesão vai ser muito baixa”, sustentou, em declarações à agência Lusa.

Viviana Silva sublinha, ainda assim, que será dada a oportunidade a todos os portugueses a viver na Alemanha de irem votar, ainda que tenham de percorrer centenas de quilómetros.

É o caso de Daniel de Oliveira Soares que, para votar, terá de percorrer mais de 200 quilómetros, depois de ter feito “tudo direitinho”.

“Por um lado, acho que o tribunal decidiu bem, porque aquilo que se passou não podia ter passado. Por outro lado, com a decisão que tomou, tirou o poder de voto aos portugueses residentes no estrangeiro”, revelou o presidente da Casa de Portugal em Bremerhaven e membro da Comissão de Estrangeiros da mesma cidade.

“A adesão às urnas vai ser muito menor do que quando se votou por carta (…) Vai diminuir imensamente, e isso não é aceitável. Com ‘ truquezinhos jurídicos’ conseguiu-se arruinar as eleições no círculo da Europa, onde sempre foi difícil para os eleitores irem votar”, lamentou à Lusa.

Daniel de Oliveira Soares lamenta que o seu voto, e o de muitos outros portugueses, “não tenham sido levados a sério”.

Para o vice-presidente do Grupo de Reflexão e Intervenção da Diáspora Portuguesa da Alemanha (GRI-DPA), Alfredo Stoffel, a decisão do TC vai ao encontro ao que esperavam.

O GRI-DPA tinha pedido ao TC, através de comunicado relevado pela Lusa, que declarasse “obrigatória” uma “nova contagem” dos votos da emigração portuguesa na Europa.

Stoffel, que é também candidato pela lista do Partido Socialista, acredita ter sido “um dia bom para a jurisprudência em Portugal.”

“O TC viu o voto dos emigrantes, os votos que foram anulados, como sendo algo que não deveria ter sido feito (…) Provavelmente houve erros que foram feitos, e que não deveriam ter sido cometidos. Foi a melhor decisão, irmos outra vez às urnas, e as coisas serem todas feitas em conformidade com aquilo que foi estipulado”, avaliou.