"Wonders in the Deep" (em português, "Maravilhas nas profundezas") é o novo livro da coautoria de Mensun Bound, arqueólogo marinho britânico, mais conhecido por ter comandado a equipa que descobriu o navio Endurance do explorador irlandês Ernest Shackleton, que naufragou em 1915 e foi encontrado ao largo da Antártida em 2022.

De acordo com o The Guardian, na história marítima, Bound revela alguns dos objetos naufragados mais peculiares que recuperou, ao longo da sua carreira, do fundo do mar. Entre eles está o ouro encontrado num navio mercante português.

O arqueólogo conta que, em 1554, a nau portuguesa "Espadarte" voltava de uma viagem da Índia quando o mastro se partiu e a embarcação afundou perto do Forte de São Sebastião, na ilha de Moçambique.

“Os portugueses eram uma nação incrível de navegadores e perderam muitos navios no processo”, afirma Mensun Bound.

Uma nau naufragada, que se acredita ser a "Espadarte", foi descoberta em 2001, quando o britânico e a sua equipa exploravam as profundezas junto ao Forte.

Perto da embarcação estavam especiarias, como pimenta, cravo, noz-moscada e macis, conchas de cauri (que, na época, eram utilizadas como dinheiro em certas regiões de África), porcelana Ming do século XVI e 50 kg de ouro.

“Eu já tinha encontrado ouro antes, mas nunca nestas quantidades — grandes pedaços de ouro, que chamam de 'barras de ouro', assim como correntes de ouro partidas e jóias em ouro”, descreve Bound.

Segundo o arqueólogo, o ouro fazia parte do comércio crescente de especiarias, sedas, cerâmicas e artigos laqueados.

“O comércio do ouro foi fundamental para a expansão do comércio internacional – era a moeda internacional do mundo naquela época – e os portugueses estão entre os primeiros europeus a fazer o caminho para África. Eles estavam a tentar encontrar a Rota da Seda do mar”, explica.

Durante as suas investigações, Bound encontrou também um canhão disparado do navio HMS Agamemnon na Batalha de Trafalgar - uma guerra naval entre as forças britânicas e as forças francesas e espanholas durante a "Terceira Coligação" das Guerras Napoleónicas -, que serviu ainda na guerra revolucionária americana e na guerra revolucionária francesa.

Mais tarde, enquanto perseguia uma frota de navios franceses, o navio encalhou num banco de lama na costa do Uruguai.

“Eles conseguiram salvar todas as armas, exceto uma — no registo, há uma descrição muito clara de como é que eles deixaram uma arma na água por engano”, diz o explorador.

Em 1997, através de um dispositivo de sonar acústico, o arqueólogo encontrou-a.

Após remover a ferrugem do canhão de ferro, Mensun descobriu que o seu número correspondia ao único canhão disparado durante a batalha naval mais conhecida da época.

“Aquela batalha mudou o rumo da história e acabou com quaisquer sonhos remanescentes que Napoleão ainda pudesse ter sobre conquistar a Inglaterra", salientou.

Já anos antes, em 1961, um grupo de mergulhadores descobriu um navio naufragado na ilha de Giglio, em Itália.

Um dos objetos recuperados do seu interior foi um capacete grego, moldado a partir de uma única folha de bronze, por volta de 600 a.C.

O britânico que apenas teve a oportunidade de ver o objeto, pessoalmente, em 1980, afirma: "Ele foi feito com excelentes habilidades de metalurgia, o que simplesmente não conseguiríamos fazer hoje em dia".

Na zona das bochechas estão gravados ataques de javalis e na zona das sobrancelhas são visíveis cobras de boca aberta e as suas presas.

“Era um objeto genuíno de guerra – quem quer que fosse o dono daquele capacete, onde quer que fosse no mundo, ele estava a dar um sinal de que era importante, rico e poderoso”, conta o arqueólogo.

Contudo, com o passar do tempo, o capacete desapareceu. "Ninguém sabe o que aconteceu com o capacete", explica Mensun Bound, referindo que "é um dos grandes mistérios da arqueologia".

Um objeto antigo, mas parte de uma das últimas descobertas

Shackleton e a sua tripulação, composta por 27 homens, naufragaram em 1914, no navio Endurance (descoberto em 2022), quando rumavam à Antártida, numa tentativa de se tornarem os primeiros homens a cruzarem o continente.

No entanto, após entrarem no gelo e enfrentarem ventos fortes, o navio congelou e a tripulação foi forçada a abandonar a embarcação e a maioria dos seus pertences.

“Eles queriam tentar chegar a terra com os cães, então só podiam levar uma pequena quantidade de pertences pessoais com eles”, destaca Bound.

“Mas havia um pescador na tripulação chamado Old McLeod – Thomas McLeod, de Stornoway – que tinha uma devoção enorme à Bíblia", continua. "Achamos que ele não sabia ler, mas ele era muito religioso e achava que deixar a Bíblia ali era desafiar o destino”, acrescenta.

Por esse motivo, acredita-se que McLeod recuperou a Bíblia e escondeu-a nos seus pertences. Quando foram resgatados, a Bíblia, que foi doada à Royal Geographical Society, em Londres, vinha entre os mesmos.