“Andam danados para correr com a gente”, afirmou à Lusa Francisco Ferreira, 54 anos, que opera a partir da doca de Pedrouços, desde “quando ainda se vendia peixe” na lota.

Após a demolição das antigas instalações dos armadores, em 2003, na sequência da candidatura de Lisboa à organização da prova náutica ‘America’s Cup’, os pescadores foram autorizados a arrumar aprestos e equipamentos em dois edifícios devolutos em frente à doca de Pedrouços, onde funcionou a Docapesca.

“A partir daí fomos estando aqui, sem lota, sem nada, só a fazer porto de abrigo”, contou António Joaquim Ferreira, 56 anos, que tem dois barcos e também guarda apetrechos no antigo pavilhão da Docapesca.

O armador recuou às promessas de um antigo secretário de Estado das Pescas de que só sairiam dali “quando se fizesse um porto novo”, anunciado para Paço de Arcos (concelho de Oeiras), mas “nunca fizeram nada” e agora apenas propõem como alternativa “contentores de 15 metros quadrados [m2]”, independentemente da dimensão ou número de barcos.

“O problema da APL é não falar com as pessoas, nem perceber das coisas, nem querer saber, e então querem fazer as coisas à maneira deles”, lamentou António Ferreira, acrescentando que a falta de uma resposta concreta da APL levou um grupo de 13 armadores de Pedrouços a constituir advogada para os representar.

“Não temos barcos daqueles que a gente arruma e leva para casa”, ironizou Francisco Ferreira, dono de duas embarcações tradicionais com oito e 12 metros, criticando a falta de uma solução concreta para arrumação de equipamentos, cordas, redes e covos.

A advogada dos armadores salientou, numa carta à APL, que a situação internacional “poderá comprometer o abastecimento futuro de pescado à maior cidade do país” caso sejam afetados os circuitos de distribuição.

Além das vantagens da pesca de proximidade ao nível da segurança alimentar, Sandra Aires notou que o Plano Regional de Ordenamento do Território “determina que se apoie a vocação que o eixo Algés-Pedrouços tem conhecido no setor das pescas” e a importância atribuída à “Economia Azul”, de que a pesca faz parte, bem como do abastecimento da região de Lisboa, Oeste e Vale do Tejo.

Por outro lado, os armadores da pesca são “parceiros estratégicos importantes para os projetos de investigação e de desenvolvimento tecnológico”, colmatando a insuficiência de embarcações científicas, face ao projetado “Ocean Campus”, que visa acolher um ‘hub’ do mar naquele espaço, congregando a ciência e a inovação dirigidos ao rio e ao mar, e “contempla a pesca (‘fishing industry’) entre as diversas atividades envolvidas”.

“Seria, no mínimo, estranho que de um local dedicado à investigação e inovação tecnológica aplicada ao mar, inclusivamente financiado com fundos provenientes do PRR (Componente 10 — Mar), que visa preparar as bases para uma economia do mar, designadamente, mais inclusiva, se fosse logo excluir um dos vetores mais importantes da atividade marítima nacional”, frisou.

A APL propôs numa reunião, em abril, a instalação provisória de 22 contentores metálicos de 15 m2, com uma área descoberta anexa de 15 m2, numa zona não vedada, com um “wc químico”, um ponto de água e recolha de resíduos, e posterior instalação definitiva (em módulos de 16 m2) na “parte alta do molhe”, mas a advogada explicou que nunca receberam “o desenho das instalações definitivas” e especificações técnicas.

Ainda assim, considerou que 15m2 é “manifestamente insuficiente face às necessidades”, a temperatura dentro dos contentores (até 60 graus no Verão) “iria danificar os aprestos de pesca”, as janelas comprometem a segurança e favorecem o vandalismo, e a dimensão da porta é demasiado estreita para a passagem de aprestos e equipamentos.

Em comunicado, a Mútua dos Pescadores diz-se “solidária para com os armadores e pescadores da doca de Pedrouços”, numa situação que afeta “40 a 50 famílias que dependem daquele espaço para assegurar a sua subsistência”.

Face ao compromisso da APL com a Câmara de Lisboa para “retirar estes pescadores dos armazéns do antigo edifício da lota”, o conselho de administração da Mútua refere que os contentores disponibilizados “não oferecem condições de temperatura e espaço para albergar todo o material” e não têm casa de banho, iluminação suficiente ou segurança.

Por isso, reclamam uma “alternativa credível, adequada e definitiva para que se possam instalar, armazenar os seus materiais” e desenvolver a atividade e que a Câmara de Lisboa inclua as suas necessidades no “desenho” final do projeto em curso, pois “investigar o mar expurgando aqueles que com ele se relacionam diariamente, acumulando camadas de conhecimento empírico”, parece “um erro estratégico”.

O projeto do município do polo de empresas Hub do Mar e ‘Shared Ocean Lab’ prevê financiamento de 31 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e 26 milhões pelo aluguer do espaço.

A agência Lusa contactou a Câmara de Lisboa e a APL, mas ainda não obteve respostas.

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