Uma primeira nota que é importante fazer sobre o livro de Lixing Sun, autor de “Os Mentirosos da Natureza e a Natureza dos Mentirosos”, é que este é um livro divertido. Podia ser um livro técnico ou científico, o autor tem currículo de sobra para isso. Licenciou-se  pela Universidade Normal do Leste da China em 1989, doutorou-se em Zoologia, Comportamento Animal e Ecologia pela State University of New York e tem várias dezenas de artigos académicos publicados. A verdade é que, em vez disso, Lixing Sun  escreveu algo que pessoas comuns, como a maioria dos leitores, podem compreender e desfrutar. Um livro sobre a vida animal e o modus operandi da natureza, que acaba por ser sobre a natureza humana e o nosso julgamento moral sobre a batota, a mentira e, no limite, a sobrevivência.

“Os aldrabões estão por todo o lado no mundo biológico, de acordo com a nossa definição alargada de enganar. Os macacos recorrem a artimanhas para conseguir sexo, as sarigueias fingem-se de mortas quando perseguidas por um predador; as aves afastam os rivais do alimento que cobiçam emitindo uma vocalização de alerta normalmente usada para lançar o alarme face à aproximação de um perigo”. Esta passagem surge logo na segunda página do primeiro capítulo do livro, apropriadamente intitulado “Mentirosos, Mentirosos por Todo o Lado” e optamos por a reproduzir e vez do exemplo de “mentira” na natureza com que o livro arranca, bastante mais brusco, já que envolve uma grávida e a sua cria [até onde os seres vivos vão para proteger os seus filhos, é disso que se trata].

Lixing Sun  alerta-nos desde cedo para um equívoco comum. Enganar não só não é exclusivo dos humanos, bem pelo contrário, como não tem os requisitos que habitualmente, nós, humanos associamos ao verbo. “Para enganar não é preciso ter um cérebro, uma vez que também muitas plantas o fazem. A maior parte das orquídeas, por exemplo, imita o aroma do alimento preferido dos respetivos polinizadores”.

Enganar não é exclusivo nem dos humanos, nem dos animais, nem das plantas. As próprias células estão programadas para enganar em função do seu “propósito. “As células cancerosas, por exemplo, são células enganadoras que fogem ao dever de cooperar com as outras células do corpo. Em vez disso açambarcam todos os recursos, proliferam e recusam suicidar-se quando isso lhes é ordenado. Assim, lutar contra o cancro, é essencialmente lutar contra células impostoras, como Athena Aktipis deixou bem claro no seu livro de 2020, The Cheating Cell”.

O que torna o livro de Lixing Sun particularmente interessante é a forma como o cientista navega entre os exemplos da natureza e a moral humana. Nomeadamente no que respeita aos conceitos que envolvem a honestidade ou a falta dela. “Por muito que apreciemos a honestidade e detestemos a mentira, a vida real corre muitas vezes ao arrepio do que idealmente desejamos. Ao contrário do que afirma o velho ditado, a honestidade nem sempre é a melhor política na vida do dia a dia”, escreve o autor. Mais à frente, vai reforçar esta ideia respondendo à questão que estuda há vários anos, o engano no mundo biológico e o facto de ser uma prática normal e recorrente. Porque é tão comum? “Porque a evolução não é um filósofo socrático. É um processo amoral e desapiedado que funciona pragmaticamente sem querer saber das nossas preferências éticas, códigos de honra ou sistemas de valores”.

Alerta a todos os que possam, a esta altura, ver no livro uma defesa da mentira ou do engano. Nada disso. Lixing Sun em nunca desmerece a confiança como fator-chave das sociedades humanas e a honestidade como alicerce moral. O que nos propõe no livro “Os Mentirosos da Natureza e a Natureza dos Mentirosos” é, por um lado, uma reflexão sobre o engano enquanto elemento que sempre esteve presente na história da humanidade – e que, como alerta, é hoje pior pela proliferação de múltiplas “verdades” na Era da Informação / Desinformação. Uma reflexão à boleia de “uma excursão pelo mundo dos batoteiros para que veja como os organismos usam um largo espectro de métodos para enganar, aldrabar e defraudar outros indivíduos e, deste modo, obter vantagens para si mesmos”.

Como é que se interessou por estes mentirosos da natureza e de que forma iniciou a investigação que deu origem ao livro?

O livro foi escrito, em parte, pela diversão. Já ando a observar o comportamento animal há duas, três décadas. Uma das minhas principais áreas de investigação é sobre a comunicação animal. Em termos de comunicação temos, claro, a batota, o mimetismo, a camuflagem e tudo cabe num tema.

Essa foi a ideia inicial. Depois, há uns anos, encontrei-me com a Alison Kalett, na Princeton University Press e ela adorou a ideia. Começámos a trabalhar no livro, assinei o contrato e dei início ao trabalho.

Mas, à medida que avançámos para 2020, aconteceu a pandemia, surgiram as questões políticas, as teorias da conspiração e cheguei a pensar que era demais para mim. Mas, de alguma forma, consegui lidar com tudo isso, embora não seja a parte principal do meu livro. É uma extensão do estereótipo em termos de mentira e engano nos humanos que juntei como “batota”.

Desde o início que pretendia abordar a mentira e o engano tanto na perspetiva animal como humana ou isso aconteceu ao longo do caminho?

Tinha de incluir os humanos também. Se não incluísse os humanos seria um belo livro sem fim.

Estamos habituados a pensar em mentir como algo humano e moral, enquanto enganar é algo que se pode perdoar na natureza, porque associamos à sobrevivência e está tudo bem, uma vez que os animais precisam de sobreviver, na maioria das vezes, em ambientes pouco amigáveis.

Mas, no seu livro, mostra-nos vários exemplos que nos podem levar a pensar que os animais também podem mentir e não apenas enganar. É verdade?

Sim. É algo que tenho perguntado muitas vezes e é baseado no que podemos considerar que é a batota. Uma questão que me perguntam muito é se os humanos mentem com intenção. Existe algum nível de complexidade mental e, por isso, os humanos mentem com intenção. Este tipo de resposta é aceitável, se quiser ir pela psicologia, mas o problema é que não sabemos realmente qual o nível de complexidade mental. Se os humanos podem mentir intencionalmente, será que os chimpanzés o podem fazer? Claramente, agora sabemos, podem fazê-lo. Mas se os chimpanzés o conseguem fazer, então os macacos também conseguem? Segundo o meu estudo: sim, conseguem.

Não sabemos onde está a linha que gera esta “coisa” intencional que também significa onde está a consciência, do ponto de vista mais filosófico. A segunda questão é se é necessário que exista a intenção, em termos de mentira. Na verdade, sabemos que as pessoas preferem quando não sabem que estão a mentir, o que também significa que a mentira inconsciente é a melhor mentira, porque os outros não conseguem distinguir. Basicamente está a esconder a intenção de mentir. Quando as pessoas mentem sem intenção, essa é a melhor mentira, a mentira mais difícil de distinguir.

Mas podemos mentir sem intenção?

Sim, sim, sim.

Imagine que estamos a conversar, eu digo-lhe que estou em Lisboa e faz sol, mas na verdade estou no Porto e está a chover. Sei que lhe estou a contar uma mentira, estou consciente dessa mentira. Como posso, enquanto humano, não ter consciência de mentir?

Para mim, essa é uma mentira habitual. Alguém pergunta “o que vais fazer?” e digo “vou andar de bicicleta”, mas em vez disso vou fazer uma caminhada, e isto porque tenho o hábito de mentir. Há pessoas assim, os políticos fazem isso a toda a hora, são muito espertos. Fazem nobres declarações sem saber que estão a mentir.

Há um biólogo, Robert Trivers, que diz que quando se mente e se está consciente da mentira, as outras pessoas têm mais facilidade em perceber. Assim, se reprimir que está a mentir, na verdade mente melhor. Se me está a mentir, mas eu não sei que está a mentir, não está a perder nada porque eu estou a acreditar. Portanto não há qualquer custo social, não perde o seu amigo porque ele acredita no que lhe diz. Estas são as melhores mentiras que um mentiroso pode contar.

Quando mente com consciência disso tem duas coisas na cabeça, uma atrapalha a outra e acaba por mostrar que está a mentir.

Encontrou, na sua investigação, exemplos que o levaram a concluir que há animais, espécies, que mentem sem saber?

Ainda não sabemos, mas será bom saber e acredito que no futuro teremos pessoas a estudar isso. É possível, sim. Hoje em dia utilizamos a TAC e se conseguirmos encontrar a área do cérebro que mostra que não está a mentir conscientemente, provavelmente saberemos se o animal o está a fazer como nós. Nunca subestimo a imaginação dos cientistas que podem apresentar novas ideias e destruir outras, antigas.

Qual era a sua tese quando começou a investigar estes comportamentos e o que significavam para a natureza e para a humanidade?

Comecei por estudar um sapinho chamado Pacific Tree Frog, na nossa região é muito comum. É muito pequeno, do tamanho de um polegar e tem duas formas, a verde e a castanha. O verde é normalmente associado à relva e às plantas e o castanho vive normalmente em caixas de árvores, pelo que ambos estão bem escondidos, fundidos nos ambientes. Eu e os meus alunos começámos a fazer perguntas como “É assim que os sapos escapam aos seus predadores?” ou “Podem mudar a cor? Qual é a cor de base?” – são como um camaleão. Começámos a ter estas ideias e descobrimos que podem mudar a cor, mas não muito, são limitados, os verdes podem ficar mais castanhos e vice-versa, não podem fazer muito e o processo é lento.

Concluímos que conseguem mudar de cor, mas com alguma limitação na camuflagem. Percebemos que muitas espécies podem fazer isto e começámos a explorar outras espécies como camaleões e finalmente olhámos para os polvos, e estes são os mestres da camuflagem. Hoje em dia sabemos cada vez mais como o fazem, com que rapidez o conseguem fazer, desde a morfologia e todo o percurso até aos mecanismos celulares.

Mas, mais uma vez, isto não é um comportamento moral, é algo para a sobrevivência.

Sim, absolutamente correto. Não sabemos a intenção do animal. A única coisa que se pode de testar é se conseguem ou não, mas não se pode aprofundar a intenção. Não diria que uso a palavra moral em muitos animais. Talvez nos chimpanzés porque a moralidade também evolui. Sabemos que muitos animais, animais sociais, especialmente primatas, tentam evitar magoar-se uns aos outros.

No seu livro, escreve que estas capacidades de mutação – ou de dissimulação – são também o que nos deu a diversidade que temos hoje. Se os animais não tivessem este tipo de capacidades, provavelmente não teríamos este mundo, este planeta e a natureza não teria tanta diversidade. Quer explicar melhor esta ideia?

Mentir, fazer batota e anti-batota estão interligados... Se há um batoteiro, então há um anti-batoteiro. Há uma ação de batota e depois uma de anti-batota ainda melhor, e o batoteiro ficará cada vez melhor e isto continuará, não há fim. Esta é uma das principais formas de funcionamento da evolução e gera muita ferocidade. Algo de que ainda não falámos, a interação entre predadores e presas: uma zebra pode correr muito rápido e um leão pode correr ainda mais rápido, e continuam, cada um indo mais rápido do que o outro – o jogo evolutivo continua. Da mesma forma, temos mentirosos ou batoteiros e anti-batoteiros. Temos tipos de organismos cada vez mais diferentes e é esse o contributo da ferocidade genética.

Hoje em dia, entre nós (humanos), temos diferentes tipos de batoteiros e diferentes tipos de formas de detetar a batota. Quando os batoteiros se tornam comuns, ficamos mais alerta e quando há menos batoteiros, a nossa sociedade torna-se mais honesta.

Na natureza podemos ver todas estas coisas a acontecer, e acontecem em prol de um bem maior, como a diversidade, a evolução, a dinâmica entre espécies. Consegue ver os mesmos efeitos benignos a acontecer em humanos? Acha que mentir é errado, não deveria acontecer ou, pelo contrário, é mesmo necessário nas sociedades, para que os humanos possam conviver e tolerar-se?

Essa é uma grande questão e pensei muito sobre ela.

Os dois últimos capítulos do seu livro são sobre este tipo de questões.

Percebo que a mentira é uma consequência evolutiva do comportamento. A batota em geral, a mentira e o engano evoluíram. E como podemos lidar com isso? Não, não podemos ser completamente honestos porque uma sociedade completamente honesta não é uma boa sociedade. A BBC fez uma experiência há uns anos em que desafiaram um conjunto de pessoas a viver uma vida completamente honesta [“A Week without lying”]. É muito difícil viver sem mentiras, porque há boas intenções nas mentiras. Chamo-lhes mentiras pró-sociais – as que têm uma causa para benefício dos outros. Existem mentiras boas e mentiras más.

Todos os dias vou trabalhar, vejo os meus colegas e digo “estás bem, estás ótimo hoje”, é apenas uma coisa do dia-a-dia, provavelmente não estou a ser totalmente honesto. Mas não posso dizer nada de muito diferente, porque se dissesse “oh, estás horrível” ou “pareces doente”, os outros diriam ou pensariam que não sou uma boa pessoa. Portanto, basicamente vamos trabalhar e interagimos com pessoas bem-intencionadas... mentindo.

É devido à mentira pró-social que temos boa vontade uns com os outros. Todos temos este tipo de auto-valorização – as pessoas sentem-se bem quando se ajudam umas às outras para construir a sua autoestima coletiva.

Depois há mentiras anti-sociais, as pessoas mentem e fazem batota para obter algum benefício dos outros, como esquemas de internet, teorias da conspiração, para ganhar dinheiro. Estes esquemas podem ser terríveis.

Sabemos que os animais podem fazer batota, mesmo que não o possamos provar. Sabemos que são bons a enganar, pois têm de sobreviver ou encontrar o seu caminho, o seu habitat. Mas como define essa diferença, essa linha entre a batota e o engano, no mundo natural?

A batota divide-se em mentir e enganar. Mentir, em biologia, envolve diferentes formas de fazer as coisas. Mentir é, por exemplo, durante a comunicação: um corvo usa o grasnido para comunicar com outro corvo, e isso é comunicação, mas na mensagem que envia, o corvo pode estar a mentir porque não precisa de um bando de corvos a comer-lhe a carne. Se eu fosse um corvo, não quereria todos os outros corvos à minha volta, por isso, em vez disso, diria “uma raposa está a chegar” – mentiria, mentiria! Eu grasnaria e todos os outros corvos voariam para longe. Isto é mentira, porque é comunicação, mas com informações falsas

Também é esperteza. Um corvo esperto.

Sim, mas isso é a mentira. Enganar é diferente, é utilizar outros indivíduos para encobrir as próprias fraquezas. O camaleão, por exemplo, mistura-se com o fundo, como folhas ou cascas de árvores, para que o seu predador não o consiga ver e isto é engano.

Nos humanos é um pouco mais difícil, mas ainda podemos dizer o que é o engano. Por exemplo, se vai a um supermercado, compra um produto alimentar e o rótulo diz “95% sem gordura” em vez de “5% de gordura”. Todos nós tendemos a ver 95% sem gordura, mas é enganador. Isto daria aos consumidores uma boa sensação sobre um bom produto, mas é enganador porque temos sentimentos diferentes sobre o mesmo facto.

Nos anúncios publicitários é permitido enganar, mas não mentir. Se o produto diz que tem 5% de gordura, não posso dizer que tem 1% de gordura, caso contrário estou a violar a lei. A maioria das sociedades ocidentais não permite a mentira, mas permite o engano.

Que desafios considerou mais significativos ao pesquisar e escrever o livro?

Os desafios são muitos e o primeiro é “como posso encarar a batota?”. Pensei muito, durante vários anos, e comecei a perceber que a mentira e o engano envolvem mecanismos biológicos diferentes. Esta foi a ideia principal para pôr o livro de pé.

A segunda foi “como poderia colocar a batota humana no panorama geral do mundo biológico?” e depois “como poderia falar sobre as questões morais no livro?”. E isto levou-me a pensar nos três diferentes tipos de batota nos humanos: a Pró-social, a Anti-social, a Auto-comiseração / Auto Depreciação.

Com isto, os resultados tornam-se mais fáceis. Contra que tipo de batota temos de lutar, para que os outros fiquem bem? Estamos habituados a promover uma espécie de mentira social porque ela ajuda-nos uns aos outros a ter uma vida boa – esse é o bem comum. Mas devemos suprimir a batota anti-social, que consiste em todos os esquemas, conspirações.

Portanto, estes são provavelmente dois dos meus principais desafios: o primeiro, ter uma compreensão geral do que é mentir e fazer batota, o segundo é como podemos lidar com os humanos no quadro geral da evolução.

Como é que combinou animais que não agem como humanos nessa estrutura que definiu, como humano? Imagine um macaco, por exemplo.

É difícil entrar na mente de um macaco.

Sim, é esse o ponto.

Começamos pelo Macaco Tibetano, há mais de vinte anos.

Tem um livro sobre isso – O Macaco Tibetano.

Exato, mas é mais académico, sendo que espero que no futuro possa escrever algo mais sobre os macacos tibetanos do ponto de vista humano. Por vezes, a coisa mais difícil é ler-lhes a mente. Só podemos começar pelo seu comportamento, assumindo que possuem um elevado nível de inteligência. Mas isso é difícil, é preciso muito cuidado para ver o que pode ser comparado aos humanos e o que não pode.

Encontrou padrões comuns de estratégias de engano entre as diferentes espécies, humanas e não humanas?

Sim, todos podem fazer muito. Observei-os e há muitas maneiras de fazerem batota. Grande parte do livro é sobre isso: como o fazem? É esse o seu objetivo, é assim que se conseguem dar bem na evolução, no “Darwinian Fitness” [adequação à evolução].

Já falou sobre o papel do engano na evolução e, claro, na sobrevivência. Sendo que considera que também desempenha um papel no que diz respeito à inovação, a palavra-chave do século XXI.

Como é que a batota estimula a inovação e a vitalidade cultural da sociedade humana?

Na tecnologia são necessárias muitas estratégias anti-batota. Na Amazon, por exemplo, podemos sempre ter uma espécie de classificação/rating. Costumava ser um pouco primitivo, mas agora se quiser comprar um livro na Amazon posso encontrar até cem opiniões/críticas, e não mostram apenas críticas, porque toda a gente pode escrever, também têm uma etiqueta para mostrar quem realmente comprou o livro. É uma evolução que decorre de uma estratégia anti-batota. Existe uma outra empresa, a Yelp, especializada no recrutamento de avaliações para diversas empresas. É uma espécie de nova tecnologia contra a batota.

Vemos assim como a tecnologia incluí sistemas de segurança contra esquemas de comportamento sorrateiro.

Sem batota e mentiras não teria este tipo de tecnologia e todas estas empresas tecnológicas.

Algumas espécies têm mais tendência para mentir e enganar do que outras? Ou é tudo igual, dependendo apenas do contexto?

Em algumas espécies, o comportamento anti-batota e anti-mentira evolui. Esta manhã, estava a ouvir uma palestra sobre parasitas de ninhos, como o cuco com a toutinegra. Na Europa existem duas espécies de cuco, na China existem dezassete espécies.

Na verdade, o cuco põe os seus ovos no ninho da toutinegra e a toutinegra cuida, choca e alimenta os ovos do cuco (como se fossem seus). Houve um estudo no Japão, há cerca de vinte anos, entre as duas espécies, o cuco colocava os seus ovos numa outra espécie de ave, a toutinegra, sem que houvesse deteção do falso ovo pela ave hospedeira, mas vinte anos mais tarde, quarenta por cento das toutinegras já conseguiam distinguir os ovos do cuco dos seus próprios ovos.

Podemos pensar que esta evolução é lenta, mas perante estes desafios de deteção de batota e anti-batota, verifica-se que as espécies evoluem muito rapidamente.

Com esta comparação, acha que a evolução humana, no que diz respeito à batota e ao engano, está no mesmo caminho que o resto da natureza?

Somos mais rápidos, muito mais rápidos. Porque se existe algum esquema hoje, amanhã haverá estratégias anti-esquema a evoluir. Todos já recebemos mensagens de email de algum tipo de príncipe nigeriano – o famoso príncipe nigeriano – e poucos dias depois recebemos alertas do apoio tecnológico: “É um esquema. Não responda”. E depois criam mais esquemas, esquemas mais novos e assim sucessivamente.

O esquema nigeriano, para nós, é tão óbvio que se pensaria “és estúpido se acreditares nele”, mas pessoas mais velhas, com capacidade mental em declínio, são o grupo mais vulnerável e precisam, acima de tudo, da proteção e da aplicação da lei.

Escrever este livro mudou a sua perspetiva sobre a forma como somos educados a pensar sobre a batota e o engano?

Estou cada vez mais consciente disso. Acho que a mentira positiva é importante para nos sentirmos bem uns com os outros, o sentimento de amizade e pertença são importantes.

Além disso, estou particularmente familiarizado com a forma de lutar contra estes esquemas, especialmente estas batotas anti-sociais, porque é isso que nos prejudica, nos magoa. Também estou mais consciente de muitas das teorias da conspiração e penso se a nossa democracia vai sobreviver a uma onda de teorias da conspiração esmagadoras que podem espalhar-se rapidamente.

Hoje em dia toda a gente procura fãs para ganhar algum dinheiro e toda a gente vai conhecer essas pessoas nas redes sociais e plataformas digitais. Inventam histórias, a maioria delas não têm importância, diria eu, mas quando se lida com questões políticas, quando se lida com questões financeiras, haverá sempre burlões por perto. É este o tipo de mundo em que vivemos.

Se tivesse de escolher o seu engano favorito, o exemplo de engano perfeito na natureza, o que escolheria?

Diria que escolheria todos eles.

É como um pai com muitos filhos que não consegue escolher um.

O engano perfeito que eu usaria… talvez o da capa do livro.

Na capa da versão inglesa é uma espécie aparentada com um gafanhoto, encontrada no Brasil. E a na  versão portuguesa é uma borboleta que se encontra no Sudeste Asiático. Ambos são mimos, as folhas, os fundos, mas são espécies totalmente diferentes, podem ser tão diferentes como um humano e um peixe, mas criaram a mesma estratégia de engano. Não é incrível? E estão a um mundo de distância e tiveram a mesma ideia.