Les jeux sont fini. Os Jogos Olímpicos Paris2024 terminaram. Foram 16 dias de competição, mais de 10 mil atletas de 206 delegações olímpicas na luta pelas medalhas em 32 modalidades.

Para a larga maioria dos desportistas, os Jogos Olímpicos são e foram o pináculo de uma carreira. Para outros, a última participação olímpica foi a derradeira aparição de uma vida dedicada ao desporto de elite e de alta competição.

Uma vida que, para muitos, não começou quatro anos antes. Recua no tempo. Ao tempo da infância e da adolescência, durante a qual, as horas de treino e competição roubou-lhes quase todo o tempo de grande parte da vida normal que não tiveram.

Muitos dos que se perfilharam na cerimónia de abertura e de encerramento e nas competições podem baixar o pano demasiado cedo ao olhar do comum dos mortais.

Andy Murray, inglês, 37 anos, campeão olímpico em Londres2012 e Rio de Janeiro2016, pré-anunciou o fim da carreira para Paris2024, após mais de 20 anos numa modalidade – o ténis – “que até nem gostava”, gracejou na hora da despedida.

Mijaín López, 41, cubano, cinco medalhas de ouro na luta greco-romana em cinco edições dos JO (Pequim2008, Londres2012, Rio de Janeiro2016, Tóquio2020 e Paris2024, tirou as botas no tapete em sinal de despedida após 20 anos no Olimpo.

Diana Taurasi, 42, basquetebolista norte-americana, sexta medalha de ouro em seis finais olímpicas disputadas, de Atenas a Paris, materializa o adeus na cidade do Amor.

Ana Cabecinha, porta-estandarte da Missão portuguesa na capital francesa, 40 anos e cinco marchas olímpicas (20 km) e três diplomas olímpicos na sola dos ténis considerou o abraço ao filho na reta da meta como a sua medalha de ouro.

Retiram-se. Doravante, fora da competição de elite, com maior ou menor dificuldade,

escreverão outra história, desempenharão outro papel e vestirão uma nova pele na nova vida e desafios que os esperam. Uns preparam-se, outros nem tanto.

Colocar um ponto final ao desporto de elite é uma decisão que começa, em primeiro lugar, na cabeça e no corpo dos atletas. Terão preparado com antecipação a saída que se adivinhava? Terão tido a presciência de o fazer a tempo?

Paul Wylleman, psicólogo do Comité Olímpico da Bélgica depois de ter acompanhado os olímpicos dos Países Baixos, em 2016 e 2020, deixou, a partir de Paris, dicas sobre a transição dos atletas de alta competição para a nova vida.

O SAPO24 abriu a conversa igualmente a Simão Morgado, nadador português. Após quatro participações olímpicas e uma licenciatura em engenharia civil, hoje é “dono” de uma marca de fatos de banho que criou enquanto era atleta de elite.

O elefante da sala. A saúde mental e o vazio do Olympic Blues

Entre medalhas, recordes, superações, frustrações e falhanços, o “post Olympic Blues” emerge, em silêncio, dias após o fim da competição mais nobre entre países.

O termo define a ansiedade e depressões, um vazio que ocupa a mente do atleta. Tudo gira à volta da saúde mental e dos desafios mentais e emocionais de quem compete.

Pioneiro no estudo da saúde mental dos atletas de alta competição, Paul Wylleman, professor e investigador da Vrije Universiteit de Bruxelas falou abertamente deste “elefante na sala”.

Sorri, por tantas vezes escutar a pergunta dos efeitos do Olympic Blues e sobre os caminhos do pós-carreira – que tem documentado em estudo – uma via que pode destapar um lado menos cor-de-rosa, revestido de problemas de ansiedade, depressão, distúrbios de sono e alimentares, consumo de álcool e drogas.

A psicologia esteve sempre presente na mente olímpica e desportiva, mas ganhou escala planetária após as confissões de estado de alma de Simone Biles e Michael Phelps, que assumiram, sem rodeios, a depressão pós-olímpica. Duas histórias a que se pode juntar às depressões de Naomi Osaka.

Os Jogos Olímpicos podem coincidir com o final de um capítulo de um livro ainda por finalizar. Mas o fim está longe. “Muito longe”, adverte Paul Wylleman. A reforma é uma “palavra proibida”, alerta.

“Miguel, nós, sim, vamos reformar-nos quando terminarmos as nossas carreiras daqui a uns anos. Mas uma ginasta que compete desde os 12, quando terminar aos 24, 27 anos, não usará a palavra reforma. Diria que vai renovar-se. Reintegrar-se na sociedade”, exclamou numa entrevista telefónica ao SAPO24 a partir de Paris.

Defensor de que os atletas “quase nunca estão preparados para transições na carreira”, embora mudar faça parte da sua existência desportiva, assume que “muito difícil” é a expressão que melhor define a relação dos atletas com uma eventual vida laboral das 9h00-17h00. Algo que pode parecer paradoxal para quem esteve e está habituado ao foco e à disciplina férrea de cumprimento de horários.

Nem todos são Ronaldos (sorri ao ouvir o nome) e nem todos ganharam o suficiente para ter o desafogo sem preocupações financeiras neste novo capítulo da sua vida.

A “estabilidade financeira” e a rede de um “emprego fixo” nem sempre é suficiente, assume. Deixa, por isso, pistas para o futuro que espreita à porta de cada um dos atletas. Um futuro que deve começar a ser pensado algures num tempo passado.

“A primeira coisa é ouvir a família”, dispara Paul Wylleman. “É muito importante ouvir os familiares, cônjuges, quem nos rodeia e melhor nos conhece”, acrescenta. Treinador incluído. Assim como ex-atletas.

“Socorrer-se das opções que existem nos Comité Olímpicos ou nas federações” é outra das vias, uma via hoje mais aberta e funcional do que no passado. Por fim, ainda no ativo, explorar “as relações pessoais e profissionais (vulgo networking)”, mostrando as suas aptidões, defeitos e virtudes, nesse hemiciclo.

As cartas estão na mesa. Tempo de ouvir quem já passou pelo Olimpo.

Quatro Jogos Olímpicos depois, Simão Morgado é dono de uma marca de fatos de banho

O nadador português, Simão Morgado, esteve em quatro Jogos Olímpicos - Sydney (2000), Atenas (2004), Pequim (2008) e Londres (2012), feito inédito na natação nacional. Competindo ao mais alto nível, estudou e construi, durante o percurso competitivo, a saída para o “depois” de pendurar os óculos e a touca.

“Enquanto nadava, estudei Engenharia Civil, no Técnico. É um facto que demorei muito tempo a completar o curso, porque praticamente só me dedicava aos estudos no ano pós-olímpico. Fazia um forcing e fazia muitas cadeiras após os Jogos Olímpicos. Depois, a pouco e pouco, ia abandonando a minha presença na universidade e dedicava-me mais à natação”, contou ao SAPO24.

“Tinha uma atitude profissional, era quase completamente profissional, embora não o fosse. Era assim no meu tempo”, alude. “Mas não me posso queixar, tinha apoios”, reconhece. A começar pelo Clube de Natação da Amadora, na altura “o clube que mais apoiava os atletas”, do Comité Olímpico e da Federação Portuguesa de Natação que já tinha um sistema de apoio para os atletas”, relembra.

Acrescia ainda “alguns apoios pontuais, patrocínios, que faziam com que fosse possível dedicar-me à modalidade”, recordou. Nos intervalos da vida de piscina, Simão Morgado vendia a imagem. “Era atleta, tinha que ter patrocínios, tinha uma agente e a minha imagem tinha que vender, tinha que aparecer, ligado à moda e a marcas. Foi a forma de conseguir sobreviver neste meio que era 100% dedicado à natação”, reconhece o atleta que preparou, no ativo, uma saída para o fim do túnel competitivo.

“A certa altura, ainda era nadador, rodeado de algumas pessoas e de uma colega de treino, designer, surgiu-me na minha cabeça a ideia de um negócio: montar uma marca de fatos de banho (Scullings) personalizados para nadadores, uma marca irreverente, diferente do habitual”, descreve. “Quando fiz o switch (mudança), larguei a natação e hoje é a minha ocupação principal”, revela.

Pendura a ideia e recua à vida da piscina. “Em Pequim2008, já sabia que ia terminar em 2012 ou 2013. Tinha mais ou menos isso na cabeça”, contou. “Em Pequim, bati o recorde nacional, mas queria um bocadinho mais. Sentei-me com o meu treinador que me perguntou se queria nadar mais quatro anos e ser o primeiro nadador português a fazer quatro Jogos Olímpicos, ou ficarmos por ali?”, recorda.

“Respondi-lhe que, embora tivesse batido o recorde, gostava de ter feito um pouco mais e fazer uma coisa única”, assumiu. “Fui bastante racional e parte da racionalidade deriva da engenharia. Felizmente, qualifiquei-me para os JO 2012”, suspirou.

“Já tinha na minha cabeça tudo o que ia fazer. Em 2012, 2013, a marca já dava algum rendimento, o negócio estava a dar frutos, fiz ainda um mundial, sem pressão e consegui deixar de nadar. No dia seguinte estava a trabalhar e motivado”, atestou.

“Para mim foi muito fácil desligar”, confessou. “No meu pós-carreira não tive problemas de saúde mental. Sofria, sim, muito com ansiedade na competição”, vincou.

“Há uns que sofrem mais do que outros, mas é um facto que sofria nesses momentos mais duros. Estamos a falar de uma modalidade em que não ganhamos o suficiente para, no final da carreira, termos a vida feita, vivermos dos rendimentos”, destacou.

Continua. “De seis em seis meses prestávamos provas, vivia sozinho e se corresse mal, por um ou dois centésimos perdia uma bolsa e não teria dinheiro para pagar a renda e isso criava uma ansiedade superior com a qual não é fácil lidar”, adiantou.

“Conheço alguns atletas que dedicaram a vida toda ao desporto, abdicaram de estudos e de preparar o futuro e quando acabam, não sabem o que fazer. Temos atletas do topo mundial, Phelps, o Thorpe, mas também há casos em Portugal”, referiu o ex-nadador que já não veste fato de banho, sem identificar de quem falava.

“Sinceramente, se me perguntam se gostava de treinar, respondo que não. A natação é um dos desportos mais exigentes. Gostava muito de competir, mas a rotina do treino diário, às 6h30 da manhã, nos últimos anos já arranjava formas de trocar, ia mais tarde. Por isso, quando deixei de nadar, são raras as vezes que vou à piscina nadar, já não tenho paciência”, finalizou.