As regras que ditam o que é e não é admissível estão definidas na Carta Olímpica, que contém os princípios fundamentais, regras e estatutos da competição, alterada pela última vez no final de 2023 para reforçar a defesa dos direitos humanos em matéria de acesso universal ao desporto e da liberdade de expressão.

Se o acesso universal ao desporto é consensual, a questão da liberdade de expressão é mais polémica, depois de décadas com relações ambíguas no que toca a manifestações políticas ou ligadas a movimentos sociais na procura da neutralidade.

Para dar um exemplo, no dia em que ganhou a medalha de bronze, a skater brasileira Rayssa Leal usou a Língua Brasileira de Sinais para afirmar "Jesus é o caminho, a verdade e a vida". Muitos recearam que a atleta de 16 anos fosse punida pelo Comité Olímpico Internacional (COI), uma vez que a regra 50 da Carta Olímpica diz que "não é permitida em qualquer instalação Olímpica qualquer forma de manifestação ou de propaganda política, religiosa ou racial".

O COI optou por não se pronunciar em Paris2024, mas não foi sempre assim. Nos Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México, Tommie Smith e John Carlos, EUA, medalhas e ouro e bronze nos 200 metros de atletismo, fizeram o gesto símbolo da luta contra o apartheid, braço direito erguido, punho fechado. A fotografia ainda hoje corre mundo, mas os dois atletas acabaram expulsos - e perseguidos.

Tommie Smith e John Carlos - 1968
Tommie Smith e John Carlos - 1968 Tommie Smith e John Carlos - 1968 créditos: AFP

A violação da Carta Olímpica, do Código Mundial Antidoping ou do espírito de fairplay e não-violência implicam sanções, que podem ir da advertência à expulsão, passando pela desqualificação, suspensão, temporária ou definitiva, e devolução de medalhas, dependendo do grau de gravidade da situação.

As medidas também se aplicam a dirigentes, treinadores e outros membros de qualquer delegação, bem como a árbitros e jurados. 

Foi isso que aconteceu ao americano Rana Reider, de 54 anos, treinador do actual campeão olímpico de 200 metros, o canadiano Andre De Grasse. A acreditação foi-lhe retirada pelo Comité Olímpico do Canadá, depois de três mulheres terem avançado com queixas de abuso sexual. O treinador de campeões acabou proscrito de Paris2024 (tinha terminado em maio um ano de liberdade condicional).

Sexo, mentiras e álcool

As expulsões não acontecem só no atletismo. A natação tem sido uma modalidade pródiga nesta matéria. A nadadora paraguaia Luana Alonso, 20 anos, já tinha terminado a sua participação em Paris, mas teve de abandonar a aldeia olímpica antes de tempo por "comportamento inadequado", depois de uma visita não autorizada à Disneyland.

"A sua presença está a criar um ambiente inadequado no seio da equipa do Paraguai e solicita-se, de forma imediata, que se retire da aldeia olímpica", dizia a mensagem enviada a Luana pela chefe da missão olímpica do Paraguai, Larissa Schaerer. A nadadora, traída por uma fotografia que postou nas redes sociais, já está de regresso aos Estados Unidos, onde reside. "Parem de espalhar informações falsas", pede, mas recusa-se a dar mais explicações.

Também a nadadora brasileira Ana Carolina Vieira, de 22 anos, foi afastada da delegação do Brasil em Paris por actos de indisciplina e má conduta, depois de ter saído da aldeia olímpica com seu namorado para passear junto à Torre Eiffel. Além disso, é acusada de contestar "de forma agressiva e desrespeitosa" a decisão de expulsão.

A atleta diz-se devastada e já contratou um advogado para "tomar as medidas necessárias". Ana Carolina alega que não se pode confundir indignação com agressividade e revela ainda que foi vítima de assédio dentro da equipa de natação, mas que o Comité Olímpico do Brasil ignorou a sua denúncia. "Estou desamparada, não tive acesso a nada, não consegui falar com ninguém. Mandaram-me entrar em contacto com os canais do COB. Mas como vou entrar em contacto? Já fiz uma denúncia de assédio e nada foi resolvido, assédio dentro da seleção", disse.

A natação também esteve no centro das atenções no Rio 2016, quando o norte-americano Ryan Lochte, então com 32 anos, detentor de vários recordes mundiais, e outros três colegas de equipa decidiram ir a uma esquadra de polícia denunciar um assalto. Que nunca aconteceu. Na verdade, o objectivo foi criar uma manobra de diversão para encobrir um acto de vandalismo cometido pelo grupo num posto de gasolina. Como resultado, Lochte foi suspenso durante dez meses e perdeu uma série de patrocínios.

Na série das mentiras há uma ainda mais extraordinária, em Montereal 1976: o coronel o exército soviético Boris Onishchenko, atleta de pentatlo moderno e campeão olímpico (equipas) em 1972, foi apanhado com um dispositivo eléctrico na sua espada que, ativado com o dedo, emitia um sinal eletrónico que sinalizava um toque no adversário, mesmo que não tivesse acontecido.

A descoberta levou à desclassificação de toda a equipa da União Soviética e fez títulos anedóticos em muitos jornais, de "Boris, o Trapaceiro" a "Desonishchenko", de tal maneira que até a delegação soviética ameaçou atirá-lo por uma janela. Foi retirado da aldeia olímpica no segredo dos deuses e enviado de volta a casa. A imprensa internacional registava semanas depois que teria recebido uma reprimenda pessoal de Brejnev e uma multa de 5 mil rublos.

Boris Onishchenko
Boris Onishchenko Boris Onishchenko créditos: AFP

Mas outro caso envolveu uma série de atletas, agora em Londres 2012. Oito jogadoras de badmínton foram acusadas de combinar resultados e para manipular o sorteio antes da fase final: duas duplas da Coreia do Sul, uma dupla da China e outra da Indonésia. A Federação Mundial de Badmínton considerou-as culpadas de "comportamento claramente abusivo e prejudicial ao desporto" e expulsou-as.

Voltando ao Rio 2016, vários casos abalaram a aldeia olímpica. Um deles envolveu também a delegação brasileira: a atleta de saltos Ingrid Oliveira e o canoísta Pepê Gonçalves receberam advertências por terem dormido juntos uma noite juntos, no quarto onde também dormia uma colega de equipa de Ingrid.

Se sexo deu direito a uma advertência, a punição para a ingestão de álcool foi mais grave. Em Paris, a ginasta japonesa Shoko Miyata, de 19 anos, foi apanhada a fumar e a beber - no Japão as bebidas alcoólicas só são permitidas para maiores de 20 anos. O flagrante valeu-lhe a expulsão.

Agressões, posts racistas e maus tratos a animais

Conduta inapropriada foi também o que levou à expulsão do judoca da Geórgia Guram Tushishvili, 29 anos, de Paris 2024. No combate contra o francês Teddy Riner foi derrubado e não gostou. Quando estava por cima, o georgiano deu um encontrão no francês, que voltou ao tapete. A briga parecia iminente. O árbitro parou a prova e deu a vitória a Teddy Riner.  

Ambos os atletas apertaram as mãos, mas, inconformado, Guram Tushishvili foi praguejando contra o resultado enquanto caminhava sem o seu quimono frente à bancada francesa. A Federação Internacional de Judo acabaria por emitir um comunicado a excluir o georgiano até da repescagem por falta de desportivismo. Enquanto decorre a investigação, Guram Tushishvili está suspenso das competições internacionais.

Guram Tushishvili
Guram Tushishvili Guram Tushishvili créditos: AFP

Nos Jogos Olímpicos em Pequim, 2008, as atitudes antidesportivas foram ainda mais longe. Na disputa da medalha de bronze em taekwondo, o cubano Ángel Matos, 32 na altura, lesionou um pé e solicitou tratamento, o que era permitido por um máximo de um minuto. Esse tempo foi ultrapassado e o árbitro deu vitória ao oponente.

Furioso com a decisão, Ángel Matos deu um pontapé na cabeça do árbitro e acabou por sair do recinto escoltado por seguranças. Tal como o seu treinador, foi banido do desporto profissional para sempre, Jogos Olímpicos e Federação Mundial de Taekwondo.

Ángel Matos
Ángel Matos Ángel Matos créditos: AFP

Uma piada racista pode ser pior do que um murro no estômago. E Londres 2012 estava cheio delas. A atleta grega de salto em comprimento Paraskevi Papachristou, então com 23 anos, foi punida com expulsão pelo Comité Olímpico Grego depois de escrever nas suas redes sociais: "Com tantos africanos na Grécia... Pelo menos os mosquitos do Nilo vão ter comida caseira!!!" Com a alcunha "voula" ["bala"], deu um tiro na sua carreira.

Apenas alguns dias depois, outro atleta era expulso, desta vez o futebolista Michel Morganella, da selecção da Suíça, também por comentários online. Após uma derrota por 2 a 1 contra a Coreia do Sul, chamou "atrasados mentais" aos asiáticos, um post que o Comité Olímpico Suíço considerou "gravemente insultuoso".

O que também não foi bem visto foi o vídeo partilhado nas redes sociais pela atleta britânica Charlotte Dujardin, de 39 anos, onde aparece a chicotear um cavalo. A proeza teve como consequência não poder participar nos Jogos Olímpicos deste ano e o afastamento de qualquer competição nos próximos seis meses. A Federação Internacional de Desportos Equestres suspendeu-a dias antes do início de Paris2024.

"Doping" e devolução de medalhas

O caso mais recente aconteceu esta semana: um atleta da delegação grego foi expulso da aldeia olímpica depois de ter testado positivo para substâncias proibidas. O comunicado do Comité Olímpico Grego não especificava nome ou modalidade.

Os números de doping parecem estar a diminuir, mas há algumas situações a registar, como a da medalha de bronze dos Jogos da Commonwealth e campeã de boxe dos Jogos Africanos, a nigeriana Cynthia Ogunsemilore, ou do judoca iraquiano Sajjad Sehen, de 28 anos, que se estreava nestes Jogos Olímpicos. 

Todas as edições têm as suas histórias, umas mais rocambolescas que outras. Em Seul 1988, o jamaicano Ben Johnson, a competir pelo Canadá, conquistava a medalha de ouro nos 100 metros, com o tempo recorde de 9´79 segundos. Menos de 48 horas depois era expulso dos jogos e suspenso de competições oficiais por dois anos. Foi a primeira vez que o Comité Olímpico Internacional retirou uma medalha a um atleta por causa de doping, mas estaria longe de ser a última.

Ben Johnson a bater recorde
Ben Johnson a bater recorde Ben Johnson a bater recorde créditos: AFP

Em Sidney 2000, Andreea Răduca, de 16 anos, era a primeira ginasta romena a ganhar uma medalha de ouro a título individual desde Nadia Comaneci. A felicidade durou até o exame antidoping revelar pseudoefedrina, uma das substâncias na lista negra. Nem mesmo as alegações de ter tomado remédios para a gripe na véspera da competição, tratamento receitado pelo a equipa (que foi suspenso quatro anos), a impediram de perder a medalha.

Os casos de doping sucederam-se, uns com mais estrondo que outros, mas outras situações inusitadas levaram atletas olímpicos a ter de devolver as suas medalhas. Dez anos depois dos Jogos de Sidney, a ginasta chinesa Dong Fangxiao ficou sem a medalha de bronze, depois da investigação da Federação Internacional de Ginástica ter revelado que ela tinha apenas 14 anos na altura da competição (16 anos é a idade mínima). Além disso, a equipa perdeu o terceiro lugar e teve de entregar a o bronze as americanas, que tinham ficado classificadas na quarta posição.