Investigadores da Fundação Champalimaud estudaram os passos iniciais da ação da vacina Bacillus Calmette-Guérin (BCG) nas células do cancro da bexiga, utilizando "avatares" de peixe-zebra, um modelo animal desenvolvido no Laboratório de Desenvolvimento do Cancro e Evasão Imunitária Inata desta instituição.

Estes avatares de peixe-zebra (zAvatars) "constituem um modelo experimental, mas muito promissor" e permitem perceber o processo. Com eles, é possível "retirar células tumorais de um doente com cancro e injetá-las em embriões de peixe-zebra".

"Os tumores crescem então no interior dos embriões, que assim se tornam de facto avatares desse doente oncológico. As várias opções de tratamento disponíveis para esse doente podem então ser testadas nos zAvatars – e, numa questão de dias, em vez das várias semanas, ou mesmo meses, que são necessários com os testes tradicionais em ratinhos, será possível determinar o melhor tratamento para cada doente. O teste foi desenvolvido e estudado com amostras de doentes com cancro colorrectal", é referido.

Os resultados do estudo, liderado por Rita Fior, Mayra Martínez-López – antiga aluna de doutoramento do laboratório, hoje na Universidad de las Américas em Quito, Equador – e outros colegas foram publicados esta quinta-feira na revista Disease Models and Mechanisms.

Segundo os investigadores, os "macrófagos – a primeira linha de células imunitárias ativadas após uma infeção – induzem, literalmente, as células cancerosas ao suicídio e, em seguida, devoram rapidamente essas células mortas". Mas vejamos como isso funciona e quando começaram as descobertas neste campo.

Como é que tudo começou?

"A vacina BCG foi utilizada pela primeira vez contra a tuberculose na década de 1920 e, por volta de 1976, foi a primeira imunoterapia a ser utilizada contra o cancro. Mas quase um século antes, nos anos 1890, William Coley, um cirurgião que trabalhava no Hospital de Nova Iorque (atualmente Weill Cornell Medical Center), já tinha testado uma mistura de diferentes bactérias, designadas por 'toxinas de Coley', como imunoterapia contra o cancro", pode ler-se no comunicado da Fundação Champalimaud.

Ness altura, "Coley tinha notado que vários doentes com cancro no hospital, praticamente sem esperança, entravam em remissões aparentemente 'milagrosas' do seu cancro quando apanhavam uma infeção bacteriana após a cirurgia realizada para remover os seus tumores (naquele tempo, as condições de esterilização nos procedimentos cirúrgicos não eram das melhores). E pensou que essas recuperações, longe de serem milagrosas, deviam-se na realidade a uma resposta imunitária dos doentes à infeção".

Assim, "Coley começou a tentar induzir infeções bacterianas em vários doentes com sarcoma e conseguiu produzir algumas remissões de doentes com cancro. Na altura, porém, o seu método estava longe de ser comprovado e seguro – e, entretanto, tinham sido desenvolvidos outros métodos de tratamento, como a radioterapia, pelo que a sua investigação não continuou".

Contudo, com o passar nos anos, isso mudou. "O campo da imunoterapia tem ganhado um enorme impulso, trazendo novas formas de estimular o sistema imunitário, cientificamente mais robustas, para combater o cancro".

“A imunoterapia com BCG ainda é utilizada de forma bastante empírica”, diz Martínez-López. “No entanto, como funciona em muitos casos, tornou-se um tratamento de referência. Surpreendentemente, é uma imunoterapia muito eficaz, mesmo quando comparada com tantas imunoterapias sofisticadas que estão a ser desenvolvidas."

Que tratamento é este?

De acordo com a informação disponibilizada pela fundação, "este tratamento consiste em instilar a vacina BCG diretamente na bexiga".

"Quando funciona, a taxa de sobrevivência a 15 anos para os doentes com cancro da bexiga dito 'não músculo-invasivo' (em fase inicial) é de 60% a 70%. No entanto, em 30% a 50% dos casos, os tumores da bexiga não respondem ao tratamento com BCG. Nestes casos, a bexiga tem de ser totalmente removida", é explicado.

O estudo da Fundação Champalimaud refere ainda que "até agora, a forma como a vacina BCG atua como imunomodulador para eliminar os tumores da bexiga não era totalmente conhecida".

Agora, os investigadores conseguiram "determinar o que acontece logo após a injeção de BCG em avatares de peixe-zebra. Para o efeito, utilizaram a chamada microscopia light-sheet ('folha de luz') e confocal, o que lhes permitiu ver os macrófagos a interagir com as células tumorais, com uma resolução de célula única e em tempo real".

"Os coloridos filmes que obtiveram do processo desencadeado pela vacina (em que os macrófagos e as células cancerosas foram marcados com diferentes pigmentos fluorescentes) mostraram que os macrófagos são fortemente recrutados para o local do tumor após a injeção de BCG, matando diretamente as células do cancro da bexiga através de um processo de suicídio celular (apoptose) dependente de uma substância chamada fator de necrose tumoral (TNF) segregada pelos macrófagos, que atua como uma potente molécula sinalizadora do sistema imunitário", é referido.

"Além disso, constataram que, quando os macrófagos eram retirados do zAvatar, os efeitos anti-tumorais da vacina BCG eram totalmente bloqueados, demonstrando assim que os macrófagos são de facto cruciais para a resposta anti-tumoral inicial provocada pela vacina", é ainda explicado.

"Se injetarmos BCG, temos um aumento acentuado da quantidade de macrófagos que se dirigem para o tumor”, diz Rita Fior.

“Nós não só desvendámos os mecanismos envolvidos nos primeiros passos da ação antitumoral da vacina, como também demonstrámos que o modelo zAvatar é uma poderosa ferramenta pré-clínica para a descoberta de medicamentos em oncologia”, conclui Martínez-López.