"O risco é tão grande que não há seguradoras disponíveis para oferecer seguros a preços que os proprietários ou gestores florestais possam pagar", confirma o ex-secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, Francisco Gomes da Silva, ao SAPO24.

Não foi sempre assim, mas a vaga de incêndios de 2003 - arderam cerca de 440 mil hectares de florestas, matos e terras agrícolas, com perdas de mais de 610 milhões de euros -, levou as seguradoras a subir consideravelmente o valor dos prémios destes seguros.

Os incêndios de 2005, 325 hectares de área ardida, foram a machadada final e muitas companhias retiraram do mercado a oferta deste tipo de seguros. Afinal, a actividade seguradora é um negócio e as florestas, onde o ordenamento é zero e o risco de incêndio é máximo, revelaram-se uma péssima aposta.

Existem, ainda assim, alguns seguros de colheita e outros muitos específicos para a área do montado, que acarreta menor risco. Mas são manifestamente insuficientes, sobretudo se tivermos em conta que dos cerca de três milhões de hectares de floresta nacional, números redondos, mais de 800 hectares são eucalipto e outro tanto é pinhal.

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Francisco Gomes da Silva: Nos eucaliptais "apenas 30% a 40% da área tem sinais de gestão activa. No pinhal é ainda pior"

Para ajudar, cerca de 84% da floresta portuguesa está nas mãos de privados e apenas entre 2% e 3% pertence ao Estado. O restante são áreas comunitárias. Note-se que, pelas mais diversas razões (que podem ir das disputas de heranças à falta de dinheiro), uma boa parte dos terrenos é terra de ninguém, ou seja, não há como responsabilizar os donos.

No caso dos eucaliptais, garante Francisco Gomes da Silva, "apenas 30% a 40% da área tem sinais de gestão activa. No pinhal é ainda pior". Mas o Estado também "gere mal" a sua propriedade. Prova disso é o pinhal de Leiria, que continua por recuperar - a destruição do pinhal de Leiria pelos incêndios de 2017 vai custar cerca de 9 milhões de euros até 2025.

O problema é que "o Estado não afecta recursos e o ritmo de reinvestimento é difícil", justifica o professor do Instituto Superior de Agronomia. "No caso dos privados, quando bem gerido o reinvestimento é mais rápido", acrescenta. Mas apenas nas áreas mais vastas, "na floresta de minifúndio ninguém faz nada".

Estado gasta mais em apoios e indemnizações do que a resolver o problema

Se os seguros florestais - que tem como objectivo principal repor o património florestal - são facultativos e a prevenção é manifestamente insuficiente, há mecanismos que podem mitigar os prejuízos causados pelos incêndios.

Francisco Gomes da Silva dá como exemplo o instrumentos financeiro criado na Noruega, que tem um fundo florestal obrigatório para o qual todos os proprietários contribuem, afectando uma percentagem das suas vendas (de madeira, por exemplo). O fundo é gerido pelo Estado, mas o dinheiro pode ser mobilizado pelos proprietários desde que para reinvestir na floresta.

O antigo secretário de Estado tentou avançar com algumas soluções em Portugal, como a atribuição de um benefício fiscal a quem subscrevesse esta espécie de seguro não obrigatório, que seria gerido pela Caixa Geral de Depósitos. A proposta não teve grande eco.

Mas o PEPAC (Plano Estratégico da Política Agrícola Comum) para Portugal, período 2023-2027, integra medidas e apoios para incentivar a criação deste tipo de instrumentos financeiros de gestão de risco florestal. Para isso, claro, é preciso ter um plano.

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O PRR - Plano de Recuperação e Resiliência também prevê, no âmbito da resiliência, o investimento de 615 milhões de euros nas florestas, que tem como objectivo "desenvolver uma resposta estrutural na prevenção e combate de incêndios rurais capaz de proteger Portugal de incêndios rurais graves num contexto de alterações climáticas, com impacto duradouro ao nível da resiliência, sustentabilidade e coesão territorial".

Mas há projectos que o governo anterior colocou no papel e que arriscam a nunca arrancar, avisa Francisco Gomes da Silva. Tem de haver um esforço de articulação com as fileiras florestais para manter o dinheiro na floresta e para os planos serem executados até 2026.

"É o nosso fado", rende-se. "Nos períodos de negociação de verbas, a preocupação é mais a de conseguir mais dinheiro do que o foco naquilo que realmente tem de ser feito. Pergunto, face a mais uma catástrofe, se há coisa mais estrutural: tínhamos financiamento e seis anos para implementar um programa musculado. Perdeu-se uma grande oportunidade para fazer intervenções com expressão territorial".

Forest Resilience Bond: o que é e para que serve

Agora, o governo anunciou que está a avaliar a criação de um instrumento financeiro americano para estimular a gestão florestal e a prevenção de incêndios. Chama-se Forest Resilience Bond e mobiliza recursos do sector privado para acelerar a gestão florestal, prevenir incêndios e gerar retorno para os proprietários.

A aplicação deste modelo em território português foi discutida no passado dia 9 de Setembro, numa mesa redonda que contou com a participação de personalidades da área florestal e do sector financeiro. Na altura, o ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, defendeu que "temos de conjugar e usar a complementaridade entre os fundos europeus, programas e instrumentos financeiros e investimento de privados, como a iniciativa promovida pela Embaixada Americana". No início de Outubro, deverão ser apresentados resultados.

As duas últimas décadas têm sido tudo menos animadoras no que toca a incêndios florestais e aos seus impactos (só em 2003 perdeu-se um quarto do pinhal de Leiria, mas há muito mais: libertação de gases com efeito estufa, emissão de fumos com consequências para a saúde humana e animal, ameaça à sustentabilidade da biodiversidade, desequilíbrio da oferta de recursos de natureza ambiental, mas também económica e social). Quase sempre por negligência, muitas vezes por mão criminosa, 2003, 2005, 2013 e 2017 foram memoráveis pelas piores razões. 2024 também.