De acordo com o relatório da auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) às contas e Gestão da TAP, a pedido da Comissão Parlamentar de Inquérito, os ministérios das Finanças e da Economia foram avisados um mês antes sobre os termos do negócio, que viria a ser contratualizado com a Airbus para viabilizar a privatização da TAP, avança o Público.

Num documento intitulado de "Plano de Capitalização e Estrutura dos Fundos", enviado por carta assinada por David Pedrosa e Maximilian Otto Urbahn (na altura, assessor de David Neeleman, dono da empresa DGN, parte do consórcio Atlantic Gateway que comprou capital da TAP), e datada de 16 de Outubro de 2015, a Atlantic Gateway descreve os detalhes da operação com a Airbus, tal como agora são descritos no relatório da auditoria da IGF, e menciona que as informações aqui enviadas já tinham, aliás, sido partilhadas em reunião com a Parpública em setembro de 2015.

Segundo o Público, no documento, o consórcio esclarece que o empréstimo de 226,75 milhões de dólares concedido pela Airbus é feito "com base numa relação comercial de longo prazo entre a Airbus e a DGN". Por outro, justificava-se que a "situação financeira da TAP" implicava um "risco considerável" de a empresa não conseguir pagar as aeronaves que já tinha encomendado à Airbus.

O cancelamento da encomenda, e posterior celebração de novo contrato com a Airbus, seria a solução para o problema, já que teria "condições comerciais e financeiras mais favoráveis para a TAP", argumenta a Atlantic Gateway, detalhando que o custo de 233 milhões de dólares (cerca de 210,7 milhões de euros) associado a esse novo contrato ficaria "abaixo do valor médio de mercado".

Operação ligada ao processo de privatização

Em junho de 2015, antes da privatização da companhia aérea portuguesa ser concretizada, mas numa altura em que já havia entendimento entre o Estado português e David Neeleman, a sua empresa, a DGN, assinou, com a Airbus, um memorando de entendimento onde se comprometia a adquirir 53 aeronaves.

Mais tarde, no mês de setembro, a Atlantic Gateway apontou a necessidade de modernizar a frota da TAP, sugerindo a compra de 53 aeronaves à Airbus. Por seu lado, a Airbus faria um empréstimo de 226,75 milhões de dólares na Atlantic Gateway, e, assim, indiretamente, à TAP, que seria comprada por este consórcio.

Em novembro, com a privatização da companhia, os contratos celebrados entre a DGN de David Neeleman e a Airbus, para a compra dos 53 aviões, são transferidos para a TAP, que passou a ser "o verdadeiro comprador das 53 aeronaves adquiridas inicialmente pela DGN". Nesta altura, a TAP cancela a produção de 12 aviões que tinha encomendado à Airbus e assume a responsabilidade pelos novos contratos.

O Público cita o relatório da IGF, que refere que "apesar de idênticos aos celebrados com a DGN, os contratos assinados com a TAP passaram a prever uma penalização, no montante total de 226,75 milhões de dólares, a pagar pelo comprador [isto é, a TAP] em caso de cancelamento da compra dos aviões, comprometendo-se a TAP no pagamento deste valor em caso de incumprimento".

O valor da injeção foi, portanto, exatamente o mesmo que a companhia aérea portuguesa seria então obrigada a desembolsar para comprar as 53 aeronaves à empresa que emprestou o dinheiro inicialmente. Sem capacidade financeira para cumprir com essas responsabilidades, a TAP "recorreu a processos de financiamento cujo controlo é dificultado pela diversidade de empresas e de condições contratuais, cumulativamente com a ausência de procedimentos formalmente instituídos".

"Tendo em conta a atividade da Airbus e a sua vertente comercial, a disponibilização desse montante parece sugerir que terá sido a contrapartida pela celebração do acordo de renovação da frota, mediante a substituição da encomenda dos aviões Airbus A350 pelos A330, bem como a compra de novos aviões A320neo e A330neo, cujas penalidades pela falta de cumprimento da TAP perfazem exactamente o valor das prestações suplementares de capital assumidas pela Atlantic Gateway, mas que indirectamente terão sido financiadas pelos fundos da Airbus", continua.

Este esquema é o que levanta dúvidas de legalidade, uma vez que, ao confirmar-se, "afigura-se susceptível de contornar a proibição imposta pelo n.º 1 do artigo 322.º do Código das Sociedades Comerciais, o qual impede que uma sociedade conceda empréstimos ou forneça fundos a um terceiro para que este adquira ações do seu próprio capital", cita o Público.

A privatização já foi, entretanto, revertida. Hoje, o Estado português detém 100% da TAP, mas o contrato que prende a companhia aérea aos 53 aviões da Airbus continua em vigor.