No final do Conselho de Ministros de hoje, foi enviado às redações um documento com a explicação de cada uma das medidas anunciadas.

"A presente Agenda assenta em 4 pilares:

i) PREVENÇÃO,

ii) PUNIÇÃO EFETIVA,

iii) CELERIDADE PROCESSUAL

iv) PROTEÇÃO DO SETOR PÚBLICO. PREVENÇÃO

A prevenção do fenómeno corruptivo é feita através de mecanismos de transparência e de gestão de riscos, que desfavoreçam as condições para a sua prática, e, não menos importante, através da educação, da formação e da criação de uma cultura cívica e de um ambiente social avessos a tais condutas. A recente publicação do Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC), em 2021, e a criação do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), enquanto entidade responsável pela implementação e execução do RGPC, foram passos importantes nesse sentido, mas há ainda muito caminho a percorrer. 

Assim, na presente Agenda propõe-se: 

TRANSPARÊNCIA NA RELAÇÃO DO ESTADO COM PRIVADOS 

1. Regulamentar a atividade de representação de interesses legítimos (“lóbi”) – Trata-se de medida prevista no Programa do Governo e que, para além de ter merecido consenso muito alargado no diálogo com os partidos com assento parlamentar, corresponde a recomendações de organismos internacionais como a OCDE e o GRECO e está em linha com o que sucede já hoje nas instituições da União Europeia (Parlamento Europeu, Conselho e Comissão Europeia). O regime deverá incluir (i) um Registo de Transparência [identificação dos representantes de interesses legítimos], (ii) um Código de Conduta do Registo de Transparência [regras gerais para as relações com entidades publicas e registo de interesses] e (iii) uma Agenda Pública [. registo de presenças, tópicos focados e decisões adotadas]. 

2. Registar a “pegada” legislativa como forma de robustecimento do escrutínio sobre as decisões do Governo, enquanto órgão de condução da política geral do país e órgão superior da administração pública, medida que colheu igualmente um elevado consenso. Trata-se de assegurar o registo das interações com entidades externas e das consultas realizadas ao longo do processo legislativo, bem como a acessibilidade dessa informação. 

3. Implementação do plano de prevenção de riscos dos Órgãos do Estado, conforme previsto no Código de Conduta do XXIV Governo Constitucional. 

GARANTIR POLÍTICAS PÚBLICAS ROBUSTAS À CORRUPÇÃO 

4. Potenciar a assessoria jurídica do Estado, em matérias ou projetos cuja complexidade ou dimensão não aconselhe de modo diverso, mediante o recurso prioritário aos gabinetes jurídicos do Estado e ao Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisAPP.). 

5. Reforçar a consulta pública em processos legislativo e regulamentar como forma de assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos. 

6. Aprofundar o princípio do “Governo aberto” através de disponibilização proativa de documentos e dados administrativos. 

TRANSPARÊNCIA NOS NEGÓCIOS ENTRE O ESTADO E PRIVADOS 

7. Incrementar as potencialidades do Portal BASE para assegurar no âmbito da contratação pública que os cidadãos e as empresas têm direito a informação correta, objetiva e atempada. Pretende-se assegurar o cumprimento efetivo das normas de publicação, melhorar as funcionalidades de pesquisa de informação e disponibilizar informação mais alargada. 

8. Generalizar a venda judicial em leilão eletrónico em benefício da transparência, no âmbito da venda em processo executivo ou de insolvência. 

PUNIÇÃO EFETIVA MECANISMOS DE PERDA DE BENS 

9. Criar um novo mecanismo de perda alargada de bens – As várias tentativas de criminalização da detenção de património sem justificação conhecida, prescindindo da prova de um crime subjacente, frustraram-se por inconstitucionalidade. Tais dificuldades foram em boa parte superadas mediante a previsão do crime de ocultação intencional de património, punido com pena de prisão de um a cinco anos a conduta, quando praticado por titular de cargo político ou alto cargo público, por referência à declaração única de património, rendimentos e interesses que se está obrigado a apresentar (artigo 18.º-

A da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho). Por outro lado, o ordenamento jurídico português já contém instrumentos avançados conducentes à perda das vantagens do crime. Sobretudo, a perda alargada de bens, prevista na Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira. Pretende-se aprofundar este mecanismo, em linha com a Diretiva (UE) 2024/1260, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de abril de 2024, assegurando que a perda possa ser declarada relativamente a bens identificados em espécie, por um lado, e que em determinadas condições se possa dispensar o pressuposto de uma condenação por um crime do catálogo, por outro. Regular o enquadramento processual dos mecanismos de perda de bens. Importa clarificar como se articulam os diferentes instrumentos que, no plano cautelar e preventivo, têm vindo a ser utilizados para garantir a execução de uma eventual decisão final de perda: a apreensão, o arresto preventivo e a modalidade especial de arresto no âmbito da perda alargada. Importa ainda promover a regulamentação adequada de todos os mecanismos processuais que se relacionem com a realidade das criptomoedas. 

10. Dinamizar os Gabinetes de Recuperação de Ativos e de Administração de Bens, através da reformulação da sua organização e do aumento dos meios técnicos e humanos adequados para o cumprimento das suas atribuições, de forma a agilizar a atividade e reforçando a articulação entre ambos. A alteração proposta visa também assegurar a utilidade social e o valor económico dos bens apreendidos. 

RESPONSABILIDADE ALARGADA 

11. Agravar a pena acessória de proibição do exercício de funções públicas ou políticas. Ampliação do período de proibição do exercício de funções públicas ou políticas. 

12. Proceder à criação de uma “lista negra” de fornecedores do Estado baseada nos impedimentos previstos no Código dos Contratos Públicos. Maior informação quanto às entidades que corrompam agentes públicos e estejam impedidas do acesso à contratação pública. 

13. Equiparar o regime sancionatório das coimas previstas no Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC) ao da legislação de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Elevar o valor das coimas no caso de incumprimento das regras de Prevenção da Corrupção. 

DENÚNCIAS E PROTEÇÃO A DENUNCIANTES 

14. Alargar a proteção de denunciantes, nomeadamente em relação a processos judiciais abusivos ou manifestamente infundados e ainda que não exista relação ou vínculo laboral [assegurando a possibilidade de, após a devida análise, ser decretado o indeferimento liminar da ação manifestamente infundada, ou impondo ao demandante que preste caução para as custas do processo. Em linha, de resto, com o que dispõe a diretiva]. 

15. Operacionalizar um canal de denúncias comum a todo o Governo. Facilitar a denúncia, através de um formulário disponibilizado no Portal do Governo. 

FISCALIZAÇÃO REFORÇADA 

16. Promover a atividade plena do Mecanismo Nacional Anticorrupção, através da redefinição da sua estrutura interna e modelo de governação. Produção de políticas públicas construídas com base em evidência sobre corrupção e infrações conexas. 

17. Reforçar a atuação dos órgãos de controlo interno do Estado, responsáveis pelas atividades de auditoria e inspeção, recebimento de denúncias e respetivo tratamento, promovendo a sua maior articulação com as demais entidades com funções preventivas e repressivas. JURISDIÇÃO FISCAL 

18. Implementar os resultados do grupo de trabalho no âmbito da justiça administrativa e fiscal, através de soluções legislativas que combatam a permeabilidade à corrupção. 

CELERIDADE PROCESSUAL PROCESSO PENAL MENOS EXPOSTO A EXPEDIENTES DILATÓRIOS 

19. Reforçar os poderes de condução e apreciação do juiz, dando-lhe um maior poder de apreciação de requerimentos e de gestão do processo, conforme as necessidades de cada causa. 

20.Reduzir a amplitude e função da fase processual da instrução, nomeadamente no plano da produção de prova e do controlo incidente sobre a matéria de facto, limitando a utilização de expedientes dilatórios. 

21. Introduzir outras alterações no Código de Processo Penal, nomeadamente em matéria de recursos, identificando práticas processuais inúteis e redundantes; especificamente em matéria de recursos, apurando em que domínios se mostra ainda viável dotar o recurso de efeito meramente devolutivo ou diferir a sua subida para o momento do recurso da decisão que tiver posto termo à causa; ponderando uma revisão do modelo de acesso ao Tribunal Constitucional. 

NOVAS CAPACIDADES DE OBTENÇÃO DE PROVA 

22. Avaliar a aplicação dos mecanismos “premiais” – Tendo havido alterações substanciais nesta matéria em 2021, um eventual alargamento – nomeadamente que estenda o âmbito material (que crimes são abrangidos) e temporal (até que momento do processo se pode colaborar) - dos diferentes mecanismos premiais dependerá de uma prévia avaliação dos respetivos resultados. Alargar as fases processuais e a tipologia de crimes que admitem colaboração premiada dos arguidos. 

23. Agilizar a obtenção de informação processualmente relevante junto de outras entidades públicas, através da interoperabilidade entre autoridades judiciárias, órgãos de polícia criminal e outras entidades públicas, para potenciar a eficácia e a celeridade da investigação. 

24. Atualizar o regime legal dos meios de obtenção da prova, designadamente em ambiente digital – Neste domínio, vamos proceder a uma revisitação global dos diferentes regimes, nomeadamente em matéria de buscas e apreensões, de modo a considerar as especificidades de cada domínio material. Também a congruência dos diferentes regimes de acesso a bases de dados será reavaliada. 

MEIOS DIGITAIS PARA OS INQUÉRITOS 

25. Apostar em ferramentas tecnológicas que agilizem o tratamento da prova, seja ao nível da análise e indexação, seja ao nível da extração de prova digital, contribuindo tanto para a eficácia da investigação como para a sua celeridade. 

26.Assegurar a tramitação eletrónica da fase de inquérito, contribuindo decisivamente para a simplificação dos procedimentos subjacentes a esta fase processual. 

INVESTIMENTO NO CAPITAL HUMANO DOS TRIBUNAIS 

27. Assegurar a formação especializada permanente de magistrados, funcionários judiciais e órgãos de polícia criminal, em particular em aspetos substantivos e processuais genericamente relacionados com a criminalidade económico-financeira. 

28. Dotar as magistraturas de uma assessoria técnica adequada, flexível e adaptável, potenciando maior celeridade na tramitação do processo, bem como uma maior eficácia da sua condução pelas autoridades competentes. 

29.Publicitar as decisões judiciais de todos os tribunais, incluindo de primeira instância, como forma de contribuir para a transparência do sistema judicial, para a informação pública sobre o funcionamento da justiça e para a certeza e harmonização da aplicação da lei. Medida que vem sendo recomendada por várias instâncias internacionais, incluindo o GRECO, e que reúne alargado consenso. 

PROTEÇÃO DO SETOR PÚBLICO CAPACITAR OS DECISORES 

30.Garantir que as nomeações em regime de substituição são acompanhadas da abertura de concurso público para preenchimento da vaga. Reforço da meritocracia, publicidade e transparência na seleção de dirigentes. 

31. Assegurar a contínua formação dos agentes públicos para a integridade e prevenção da corrupção, conforme aponta o RGPC. 

UMA SOCIEDADE CIVIL MAIS EXIGENTE FACE À CORRUPÇÃO 

32. Apostar na educação como forma de prevenção da corrupção e da criação de uma cultura de integridade, nos vários ciclos do ensino básico e no ensino secundário, reforçando conteúdos curriculares sobre ética, literacia financeira, para além da divulgação de informação pública sobre o fenómeno da corrupção e sobre a atividade de prevenção e combate à sua prática, com vista ao desenvolvimento na sociedade do sentido crítico e da intervenção de escrutínio.