Diário de quarentena, por Patrícia Reis. Dia 10


Hoje acordei com saudades da pressa de sair de casa, do cafezinho aqui perto, do Miguel e da Rosa, que me recebem sempre com um sorriso. Saudades de entrar no carro, de ver Lisboa, as ruas e as pessoas, de me irritar com aquele que não faz pisca ou com o que prefere desafiar o trânsito em vez de atravessar a rua numa passadeira. De estacionar o carro depois de atravessar a custo a rotunda do Saldanha, ficou tudo muito bonito, mas a rotunda é um inferno, entrar na lateral da Avenida da República, estacionar, subir ao nono andar e dizer bom dia às pessoas com quem trabalho. Não damos beijos todos os dias, temos um código, um cumprimento, estendemos um dedo e tocamo-nos e isto é o nosso bom dia.

Saudades dos emails com exigências tão urgentes que me fazem bradar aos céus que tenho um contrato com Nossa Senhora, ela não faz conteúdos, eu não faço milagres. Ou das conversas de ponto de situação, ou da música por vezes estranha que se ouve naquela sala, das bolachas compartilhadas e dos risos a propósito disto ou daquilo.

Faz-me falta o turbilhão da hora de almoço, aquela coisa meio preguiçosa de dizer, não sei o que me apetece e acabar invariavelmente nos mesmos sítios, a comer as mesmas coisas. De sair dali e entrar na RDP, na Marechal Gomes da Costa, dizer olá ao segurança, dar o meu número de colaboradora e depois saber que são duas horas de conversa que me enchem de riso, de saber, às vezes de comoção.

Regressar a casa, mas passar antes na mercearia da Dona Rosa, para comprar aquele queijo de cabra fresco que só ela tem, ou pão da Gleba que é mesmo um dos nossos luxos.

Voltar a casa e abraçar o meu filho mais novo, o mais velho se estiver por ali, o meu afilhado. Abraça-los faz-me muita falta.

Saudades de ver a minha mãe.