“É um problema silencioso. O assédio existe, sabemos que existe, mas na maioria não há denúncias. Quando o trabalhador não aguenta mais entra de baixa, porque se fizer queixa está na lista negra”, disse o presidente do Mais Sindicato (afeto à UGT), António Fonseca, na audição dos sindicatos do setor bancário na Comissão parlamentar de Trabalho.

Segundo o dirigente sindical, os bancários têm vindo a diminuir significativamente quando o trabalho não diminuiu, apesar do tanto que os bancos falam em digitalização, e, questionado sobre o direito a desligar, afirmou que os bancários sabem que o direito existe, mas que também terão consequências se o exigirem.

“Todos temos direito a desligar, o problema é que ninguém tem o atrevimento de desligar. [As chefias] ligam fora de horas, marcam reuniões fora de horas, formações fora de horas”, afirmou.

Para o dirigente sindical é preciso um ‘grito do Ipiranga’ dos bancários pois estão cada vez mais assoberbados e o setor tem cada vez mais dificuldade em contratar gente devido às condições de trabalho.

O presidente do STEC, Pedro Messias, também disse haver um “grande problema de assédio ao nível da banca, transversal”, incluindo no banco público, e adiantou que, mesmo quando o trabalhador faz queixa, o habitual é o processo não dar em nada.

Segundo os dirigentes sindicais hoje ouvidos na Comissão parlamentar de Trabalho, os bancários lidam com um trabalho de enorme pressão, referindo que a digitalização não é tão real como se pensa (afirmam haver 'falsa digitalização' e que, mesmo quando clientes fazem operações pela 'app' dos bancos, os pedidos e as execuções de ordens precisam de bancários que deem andamento aos processos).

Afirmam ainda que o setor bancário que serve mal os clientes com fecho de balcões (que afeta especialmente o interior do país, onde por vezes é preciso fazer dezenas de quilómetros só para levantar dinheiro) e redução do horário de atendimento das agências.

Disseram ainda que ser bancário já foi uma profissão reconhecida e bem remunerada mas hoje não é, auferindo salários que não se coadunam com a formação e as exigências que lhes são feitas.

Segundo Pedro Brito, do Sindicato Independente da Banca, os bancos há anos que propõem aumentos salariais “sempre abaixo da inflação” e têm vindo a quebrar a ética negocial ao fazer atualizações salariais antes de ser terminada a negociação coletiva. O objetivo, disse, é diminuir a capacidade de reivindicação dos sindicatos aproveitando a pouca mobilização dos trabalhadores do setor.

Os sindicatos afirmaram ainda que a legislação do trabalho que existe não é cumprida, desde logo porque a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) não tem uma fiscalização efetiva.

“Há legislação mas é preciso ser cumprida. Eu era jovem e enfiaram-se dentro de uma casa banho para a ACT não me ver. Quando se é jovem e se quer ter uma promoção para ganhar melhor é-se manietado”, recordou António Fonseca, defendendo ainda que a muitas empresas compensa pagar as multas.

“Muitas vezes não pagam as hora extra porque mais vale pagar as coimas do que as horas extra”, considerou.

Para Nuno Matos, do Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Financeira (Sintaf, afeto à UGT), os problemas residem também na caducidade das contratações coletivas, permitindo às empresas denunciarem as convenções coletivas (onde estão consagrados direitos dos trabalhadores de um setor específico) ou usarem esta possibilidade para tentar impor piores condições de trabalho.

Esta frente comum de sindicatos da banca (Mais Sindicato, Sindicato dos Trabalhadores do Setor Financeiro de Portugal, Sindicato dos Bancários do Centro, Sindicato de Trabalhadores das Empresas do Grupo Caixa Geral de Depósitos, Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Financeira e Sindicato Independente da Banca) tem vindo a reunir-se com o poder político para dar conta dos problemas do setor, tendo já havido reuniões com grupos parlamentares de PS, Chega, Iniciativa Liberal e PCP e com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Aguardam reuniões com PSD, BE, Livre e PAN.

No final de 2023, segundo as séries longas do Banco de Portugal, havia 44 mil trabalhadores bancários (face a 63 mil em 1993) e mais 15 mil em regime de 'outsourcing' (trabalhadores externos que prestam serviços para os bancos).