Risos, choros, abraços, aplausos, conversas. Coube tudo em quatro dias, no cinema São Jorge, uma sala “nobre” de Lisboa, como a caracterizaram muito dos que marcaram presença nesta mostra, onde o Brasil se revelou para lá dos lugares-comuns.

E “Nise, O coração da loucura” segue na linha da frente desta descoberta. Trata-se de uma obra biográfica, sobre uma figura desconhecida de muitos, mas que fez a diferença na área da saúde mental, no Brasil, tendo chegado a trocar correspondência com Jung, o psicanalista discípulo de Freud.

Aqui, Augusto Madeira é Lima, o assistente de Nise. E o Lima que conhecemos ao primeiro frame não será o mesmo que se despede de nós. Porque aqui não há espaço para a indiferença, a personagem transforma-se longo do filme, à medida que se vai deixando tocar pelos doentes.

A analogia é válida para o impacto que o cinema pode ter na compreensão de realidades que nos são estranhas ou distantes. “Conseguimos ir mais a fundo através de histórias que não são tão óbvias”, conta o ator, que marcou presença nesta mostra e que participa em quatro dos filmes aqui projetados.

“Nise" teve sala quase cheia, e não foi a única nesta mostra “de 14 longas-metragens de recente produção. Os filmes têm, no máximo, dois anos, e todos eles são inéditos em Portugal”, diz Igor Trabuco, responsável pela área cultural da embaixada do Brasil, um dos parceiros da iniciativa.

1.ª Mostra de Cinema do Brasil
1.ª Mostra de Cinema do Brasil créditos: Organização 1.ª Mostra de Cinema do Brasil

Questionado sobre o que diferencia esta mostra de outras iniciativas do género, Igor destaca que “aqui só há filmes brasileiros”.

“Graças à estética de cada filme, as pessoas conseguem conhecer um pouco mais a nossa cultura, o nosso quotidiano”, acrescenta Fernanda Bulhões, diretora da Linhas Produções Culturais, outro dos parceiros do evento.

“O cinema consegue vender uma ideia de país muito maior do que o clichê”, nota Augusto Madeira.

Para além deste retrato do Brasil, a mostra, que decorreu entre 19 e 22 de julho, visa apresentar uma “vitrina estruturada do que é a indústria audiovisual no Brasil e do que é a qualidade dos filmes brasileiros”, completa Igor Trabuco.

Estar no Brasil sem sair de Lisboa

“Durante duas horas, é como se você viajasse para o Brasil de novo e matasse a saudade um pouco”. Quem é diz é Vinicius Castro, um brasileiro de 32 anos acabado de chegar a Portugal para cá viver. Vinicius vê nesta iniciativa não apenas uma “troca das culturas de ambos os países”, mas a “conexão” que torna mais próximos países que se consideram irmãos.

Já Helena Poejo, uma portuguesa de 52 anos, chegou à mostra atraída por “Nise", ela que prefere filmes que retratem “questões da sociedade, dos indivíduos”.

Já “Ana e Vitória” foi chamariz para um público mais jovem, com alguns pais a acompanharem os filhos, até porque as artistas protagonistas da história, também elas acabadas de entrar na idade adulta, a dupla Anavitória, conhecida pelo tema “Trevo (tu)”, deram um breve concerto no final.

1.ª Mostra Cinema Brasil
1.ª Mostra Cinema Brasil créditos: Organização 1.ª Mostra Cinema Brasil

Luzes, câmara, ação... e conversa (porque nem só de filmes de faz uma mostra)

“Bateu muita saudade”, partilhou, de coração aberto, perante toda a plateia, o ministro da Cultura português, Luís Filipe Castro Mendes, no final da exibição do documentário “Fevereiros”, de Márcio Debellian.

O saudosismo dos anos em que viveu no Brasil foi despertado pela intensidade do testemunho retratado no filme, uma produção que ilustra a forma como Maria Bethânia e o seu sincretismo religioso foram inspiração para o desfile da escola de samba da Mangueira, no Carnaval do Rio, em 2016. Tal como o ministro da Cultura, muito outros tiveram oportunidade de, em tom informal, conversar com o realizador, presente na sessão.

É “bom dividir com o público algumas experiências que vão para além do filme, que falam das experiências nos bastidores, de como uma história chegou ali, dos detalhes e curiosidades”, comentou com o SAPO24 o ator Augusto Madeira, também conhecido pelas suas participações em telenovelas.

E facto é que muitas vezes as conversas se prolongaram para além das sessões. No hall, na varanda ou no café do São Jorge, as partilhas entre público e artistas multiplicaram-se, com comentários feitos dentro das salas a servir de mote para conversas e trocas de contacto posteriores.

Ainda sem números fechados para avançar, é nestas mesas de bar que, com a luz da varanda a iluminar tenuemente o espaço, Fernanda Bulhões e Igor Trabuco fazem um primeiro balanço da iniciativa.

“Conseguimos firmar este evento”, diz Igor. “Superou as expectativas”, assume Fernanda, assinalando que em várias sessões a plateia teve mais de 400 pessoas. “Percebemos que [a ausência de uma mostra de cinema exclusivamente brasileira] era uma lacuna importante [na vida cultural de Lisboa] que devia ser preenchida”, acrescenta a responsável pela agência de comunicação, deixando patente a sua ambição: “Agora a ideia é que possa ser anual”.

Já há projetos em cima da mesa. Em futuras edições, Fernanda Bulhões coloca a hipótese, embora ainda embrionária, de que sejam promovidos encontros entre realizadores, produtores e distribuidores brasileiros e portugueses, que poderão dar origem a coproduções entre profissionais dos dois países. Está feita a “conexão”.