Os Artistas Unidos pagavam à Reitoria da Universidade de Lisboa uma renda mensal de 1.600 euros pelo espaço que ocupavam no N.º54 da Rua da Escola Politécnica, em Lisboa. Chegaram a pagar mais do dobro e ainda 20 mil euros anuais pela segurança do espaço, que tinha diversos problemas. "Investimos bastante dinheiro, fizemos obras no valor de 750 mil euros, e baixaram a renda", conta o diretor e sócio dos Artistas Unidos, Pedro Carraca.

Desde a fundação, em 1995, os Artistas Unidos já tiveram vários pousos, sempre temporários, apesar das promessas da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Uma realidade que não é diferente da de muitos jovens portugueses, que com 30 anos ainda não conseguem ter casa própria.

Agora, os Artistas Unidos querem uma audiência com a ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, para encontrar uma solução definitiva. "Há muitos espaços vagos em Lisboa que pertencem ao Ministério da Defesa ou ao Ministério da Justiça ou a outro ministério qualquer, não são edifícios da câmara", explica Pedro Carraca.

Enquanto esperam, é tempo de meter um teatro inteiro dentro de um armazém em Marvila - ou fazer o Rossio caber na Rua da Betesga. Com a ajuda da comunidade local, que depois de um apelo público dos Artistas Unidos se mobilizou para ajudar a desmontar palcos, cenários, plateia e bastidores, peça a peça para dentro de um camião de mudanças.

A consequência mais imediata é o despedimento de duas pessoas. Sem um espaço físico, bilheteira e direção de cena deixam de ter razão de existir. "Temos muita pena, mas com a extinção do posto de trabalho, não temos alternativa senão deixá-los", lamenta. Os Artistas Unidos têm 12 pessoas a tempo inteiro e mais de 20 contratadas projeto a projeto. Não admira que para Pedro Carraca dirigir uma companhia de teatro em Portugal seja "uma dor de cabeça".

Há 30 anos com a casa às costas

O que está a acontecer é uma espécie de dejá vu: em agosto de 2002, era presidente da CML Pedro Santana Lopes, a companhia foi "expulsa" do edifício A Capital (Teatro Paulo Claro), um espaço cedido pela câmara, onde estava desde 2000. "Fomos expulsos pelo Património quando estávamos a ter reunião com a Cultura", lembra Pedro Carraca para explicar o absurdo da situação.

Com o fecho compulsivo, mudaram para o Teatro Taborda, onde ficaram até junho de 2005 e daí passaram para o Convento das Mónicas, onde estão mais dois anos. Sempre com a promessa da Câmara de Lisboa de encontrar uma alternativa definitiva e até de poderem regressar ao ponto de partida: "Já oiço a promessa d'A Capital há 30 anos". 

O Teatro da Politécnica era a casa dos Artistas Unidos desde 2011, com um contrato de arrendamento de dois anos, renovável. "No fim do primeiro vez, há 13 anos, a reitoria falou-nos logo na hipótese de termos de sair. E depois muitas outras vezes", diz Pedro Carraca. Mas foram ficando.

Em março de 2022, o reitor da Universidade de Lisboa, Luís Ferreira, comunicou aos Artistas Unidos que o contrato de arrendamento não seria renovado e deu à companhia até fevereiro de 2023 para deixar o local. A Câmara interveio e foi possível protelar a saída para 31 de julho de 2024, "com o compromisso da parte da CML de acabar as obras de requalificação do edifício A Capital, ao qual regressaríamos no segundo semestre deste ano".

No edifício A Capital, onde estiveram cerca de ano e meio, estavam sete companhias. Os Artistas Unidos fizeram só aí 30 estreias. "Podia muito bem ser um polo cultural". A ideia era essa, mas as obras acordadas nunca chegaram a começar. "Primeiro íamos poder voltar para A Capital, depois já só íamos ficar com o rés-do-chão e a cave, quando finalmente fomos visitar o espaço já era apenas uma parte disso". No final, na cave "eram 3,20 metros, o tamanho de uma garagem. Ainda propusemos ligar cave e rés-do-chão, em maio de 2022 pedimos os planos de corte à CML para estudar possibilidades com arquitetos. Chegaram na semana passada", queixa-se Pedro Carraca.

"Vivem à custa de vivermos mal"

Ao longo destes dois anos, desde que a Reitoria da Universidade avisou que o contrato de arrendamento não seria renovado, os Artistas Unidos têm procurado uma solução. No entanto, as hipóteses identificadas pela CML não são consideradas e as sugeridas pelos Artistas Unidos à câmara são declinadas.

"A câmara foi sugerindo vários pequenos auditórios, muitas vezes palcos para conferências", afirma Pedro Carraca, "onde é impossível apresentar uma peça". A companhia chegou a propor ficar com o Teatro Variedades, no Parque Mayer, que esteve fechado várias décadas e vai reabrir em outubro sob tutela da EGEAC, a empresa municipal que gere os equipamentos públicos e a animação cultural em Lisboa.

Há dias, quando fez o anúncio, o presidente da CML, Carlos Moedas, também responsável pelo pelouro da Cultura, garantiu que haverá espaço para acolher "produções independentes e artistas que não tiveram oportunidades de se apresentarem em outros teatros" e "companhias que não dispõem de espaço próprio". "Vamos ter lá os Artistas Unidos, mas também a Marina Mota, o teatro de revista", afirmou sem mais detalhes.

Pedro Carraca recorda que os Artistas Unidos não têm fins lucrativos e são fundamentais na oferta e na divulgação cultural. "Muitas pessoas falam na subsídio-dependência em relação ao Estado, mas maior parte do dinheiro que gastamos não vem do Estado, vem diretamente da nossa atividade, numa proporção de 45%-55%".

Além disso, "Portugal investe 700 a 800 milhões de euros na Cultura [781,7 milhões de euros em 2023, dos quais 272,3 milhões para a RTP] e tem um retorno de 4.200 milhões de euros, dados do INE [Instituto Nacional de Estatística]. O peso da cultura no PIB vem logo a seguir ao turismo. Vivem à custa de vivermos mal", desabafa.

Atriz, 36 anos, Inês Pereira também faz parte dos Artistas Unidos. "Há oito anos que tenho colaborações muito regulares e já fiz parte da equipa efetiva de 12 pessoas, mas este trabalho tem a característica de ser muito nómada", diz. 

Crítica a CML por não "arranjar uma solução definitiva" e lembra "o compromisso que assumiu com os Artistas Unidos" e que não cumpriu, obrigando a companhia a "saltitar de um lado para o outro".

"A lógica de programação não defende os artistas, que estão dois meses a ensaiar um espetáculo que vão apresentar apenas dois dias (o que é mau até em termos de rentabilização de subsídios). Devíamos poder fazer circular os nossos espetáculos", ter tempo para criar uma corrente de público". Uma coisa que já estava a acontecer no Teatro da Politécnica.

Na temporada 2023/24, o Teatro da Politécnica teve "uma taxa de ocupação de 70%, o que é muito bom". Além disso, "os Artistas Unidos acolhiam companhias jovens que não tinham onde apresentar as suas produções sem cobrar por isso". 

"Ser atriz em Portugal é difícil. Às vezes parece não haver vontade política para criar condições para que tecido cultural possa exercer de forma digna a sua atividade", conclui.

Em setembro, os Artistas Unidos querem abrir a temporada com "Búfalos", a última parte da trilogia de Pau Miró, que tinha vindo a apresentar, e, simultaneamente, repor "Girafas e Leões". Mas não sabe onde irá fazê-lo e mantém a pergunta: "Onde vamos morar?"

E não são os únicos a estar preocupados, porque ao final da manhã foi lançada uma Petição Pública para pedir a intervenção da Assembleia da República e perto da hora de almoço já ia quase nas 100 assinaturas.

O SAPO24 contactou a Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas e também a Reitoria da Universidade de Lisboa, que até à hora da publicação desta notícia não deram resposta às nossas perguntas.