O estado a que chegou o estado desta nação

Pedro Soares Botelho
Pedro Soares Botelho

Diagnosticar um país é sempre tarefa de grande trabalho: medir-lhe o pulso, contar-lhe as plaquetas; ver da ureia e averiguar o colesterol. Fazer isto enquanto o planeta inteiro anda à procura de fugir de um coronavírus só pode ser um evento de crescida preocupação clínica.

Esta sexta-feira, na Assembleia da República, a nação submeteu-se ao exame dos distintos tribunos eleitos. O debate do Estado da Nação propõe-se ver como isto anda, trazendo uma ideia do estado a que chegámos.

O diagnóstico é o que já se sabe: a crise traz incertezas e dificuldades (pode recordar todos os momentos do debate neste acompanhamento feito ao minuto).

O governo não pode garantir que não haja “tempos difíceis, tempos em que o emprego e os rendimentos das famílias sejam afetados, tempos em que as exportações se ressintam ou algumas empresas não resistam”, disse a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, no encerramento do debate. A resposta virá, mas, alerta a governante, não cabe num só orçamento, que é como quem diz: não vai isto curar-se num ano.

No plano sanitário, Marta Temido, a ministra da Saúde, diz não só que “ainda é cedo para saber quando vai terminar esta crise”, como alerta para a “persistência e recrudescimento da covid-19”.

Se a doença está para durar, há que juntar esforços para o combate. António Costa afastou logo o cenário de eventuais crises políticas. O primeiro-ministro dá, assim, sinais de que não está interessado em precipitar eleições num golpe para reforçar a representação socialista no parlamento. O caminho é outro — e não é novo.

Costa fez um jogo de sedução, contando com o apoio dos deputados socialistas, que foram tentando aproximações aos dois antigos companheiros do primeiro-ministro.

Sem pudores, António Costa assumiu-se parte da Geringonça, esse malogrado termo tendencialmente insultuoso, de que se apoderaram orgulhosamente os parceiros da tríade governamental/parlamentar que aguentou a primeira legislatura socialista após a coligação PSD/CDS-PP.

Ligeiramente reforçado nas eleições de outubro de 2019, o primeiro-ministro tentou uma aproximação aos ex-companheiros, mas não teve sucesso na altura. Agora, tenta repetir a fórmula, acenando que sim, que as preocupações do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista são válidas e precisam de soluções discutidas no seio do trio (trio + 1, já que o PEV faz parte da CDU).

À primeira vista, contudo, o namoro ainda não está para principiar. A deputada socialista Marina Gonçalves bem pediu a Catarina Martins “uma reflexão conjunta”, mas a coordenadora do Bloco não foi na cantiga de amigo: "Estamos sempre disponíveis para negociar soluções, o que não estamos disponíveis é para ouvir proclamações enquanto centenas de milhares de trabalhadores continuam a ser despedidos todos os dias sem o apoio de que precisam", respondeu-lhe.

António Costa já tinha antes feito o apelo: insistiu no "dever comum" de responder "ao mandato que recebemos” — a Geringonça com um PS maior: “Esse foi seguramente o mandato que o PS recebeu, mas esse também foi seguramente o mandato daqueles que fizeram campanha eleitoral a pedir para que o PS não tivesse maioria absoluta porque se o PS tivesse maioria absoluta não havia geringonça", afirmou.

"Quem conseguiu que não houvesse maioria absoluta tem a responsabilidade também de que haja geringonça", disse ainda, lembrando o peso do sucesso.

Ao lado, o PCP não pestanejou. Passou por cima dos encantamentos e quis falar doutras coisas, menos do coração e mais dos outros órgãos do país pandémico.

Uma coisa ficou clara: o governo não quer nada com o PSD. Que desapareçam os rumores, as parangonas e os paparazzi a falar do iminente casamento de eminentes. Para os sociais-democratas, o primeiro-ministro só reservou ataques: são atávicos, velhos do Restelo sem esperança.

Rui Rio devolveu na mesma moeda, arredado que ficou das vontades de um “compromisso estável e duradouro” pedida por Costa à esquerda.

Como se chega daqui a um diagnóstico? É complicado.

Outras prescrições:

  • A ministra da Saúde recomendou as consultas de Oftalmologia do SNS ao deputado André Ventura. O líder do Chega quis saber porque a soma do total concelhio não corresponde ao total nacional. Marta Temido, aborrecida por esta discussão acontecer praticamente todas as semanas nas conferências de imprensa da DGS, recomendou que o deputado lesse as notas de rodapé dos relatórios de situação — e, caso tenha dificuldades em ler a letra miúda, que recorra ao Serviço Nacional de Saúde.
  • Rui Rio quer que o Ministério Público investigue a venda do Novo Banco à Lone Star. O líder social-democrata questiona as transferências, a gestão e a transparência de todos os processos no antigo BES. O PS respondeu que foi o governo de Passos Coelho quem criou as condições para a vida atual do banco.
  • O aeroporto do Montijo não avança enquanto a saúde ambiental da Moita, nomeadamente na Baixa da Banheira, não estiver resolvida.
  • E o “massacre chocante” em Santo Tirso, disse António Costa, é intolerável e obriga à reflexão sobre a orgânica das instituições que lidam com os animais — em particular os animais de estimação.

Próximas consultas:

O debate do Estado da Nação marca o fim do ano parlamentar. Os tribunos regressam ao hemiciclo apenas em setembro. Porém, quando voltarem as regras do jogo estão diferentes: não há debates quinzenais, as petições precisam de mais assinaturas e há mexidas nos tempos.

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