Em Portugal, sê sueco - ou campomaiorense

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

Há várias razões para se gostar do IKEA, as almôndegas, os móveis, todos os utensílios que descobrimos que afinal precisamos, os cachorros-quentes a cinquenta cêntimos, enfim, podíamos ficar aqui o dia todo, não fosse quem vos escreve um jovem de 25 anos que, desde que se mudou para Lisboa, nunca conheceu uma outra realidade que não a de reinventar divisões num estalar de dedos - e a orçamentos bastante reduzidos - que o levaram várias vezes até ao entreposto sueco de Alfragide.

Também há razões para não se gostar do IKEA. Por vezes as instruções parecem-se com obras de arte de um movimento surrealista ou o percurso da loja com uma maratona olímpica. Mas este é um texto sobre outra coisa, talvez mais aprazível à maioria: o papel de uma grande empresa no Estado Social. Aqui, o IKEA dá cartas pelo papel que sabe desempenhar.

Por exemplo, logo no início do novo mundo em que passámos a viver, limitados às restrições impostas pela disseminação do novo coronavírus pelo mundo, a IKEA Portugal anunciou que ia aderir ao ‘lay-off’ simplificado criado pelo Governo, a partir de 13 de abril, mas que iria garantir o pagamento da totalidade das remunerações base aos trabalhadores.

“No seguimento do surto de coronavírus que está a afetar o mundo, e o consequente encerramento temporário das suas lojas ao público, a Ikea Portugal irá implementar, a partir de 13 de abril, a medida criada pelo Governo português para apoiar a manutenção de empregos durante a crise da covid-19, garantindo a totalidade das remunerações base de todos os colaboradores”, informou, em comunicado, a vendedora de móveis domésticos de origem sueca.

A medida afetou cerca de 65% dos colaboradores das lojas, escritórios e centro de apoio ao cliente, uma vez que a empresa vai manter o funcionamento da sua loja ‘online’, os colaboradores com funções nesta área, ou noutras que sejam essenciais, vão manter os seus horários, ainda que com algumas adaptações.

A Ikea Portugal garantiu, ainda, que todos os colaboradores abrangidos pelo ‘lay-off’ iriam continuar a poder usufruir do seguro de vida e de saúde da empresa, bem como o acesso a plataformas de apoio, como a linha de apoio interna a todos os colaboradores durante a pandemia do novo coronavírus, ou o programa criado para orientar e apoiar colaboradores que enfrentam desafios pessoais relacionados com saúde, problemas de dependência, violência doméstica, instabilidade financeira, entre outros.

Mais tarde, viemos a saber que a IKEA estava em negociações com os governos de nove países, incluindo Portugal, para devolver os apoios concedidos no âmbito das medidas para travar o impacto da pandemia de Covid-19.
Há cerca de um mês, a esse respeito, o responsável pelas operações de retalho do Ingka Group, principal retalhista da IKEA, Tolga Oncu, disse que o grupo iniciou conversações com a Bélgica, Croácia, República Checa, Irlanda, Portugal, Roménia, Sérvia, Espanha e Estados Unidos.

De acordo com o mesmo responsável, o grupo previa, inicialmente, uma quebra nas vendas entre 70% e 80% devido à pandemia de covid-19, mas a procura registada após a reabertura das lojas tem permitido mitigar o impacto, optando assim a cadeia sueca de mobiliário por devolver os montantes em causa.

Hoje ficámos a saber que não era tudo conversa fiada e que a cadeia sueca vai devolver ao estado português meio milhão de euros.

“O valor, incluindo apenas salários, é de 474 mil euros”, disse fonte oficial da IKEA Portugal, explicando que a este montante acresce o referente à devolução da isenção de contribuições, perfazendo 500 mil euros.

Porém, este valor corresponde “apenas à componente de salários”, notou a mesma fonte, sem precisar se o montante total poderá ser superior.

Apesar de não avançar uma data para a devolução dos apoios, fonte da empresa sublinhou que as equipas de recursos humanos da IKEA Portugal e os técnicos da Segurança Social estão em contacto “para agilizar essa situação assim que possível”.

E não, esta não foi a única empresa a fazê-lo. Rui Nabeiro já teve a oportunidade de explicar que a Delta Café, empresa sediada em Campo Maior, não recorreu ao `lay-off` na sequência da pandemia, uma vez que “havia condições” para manter as mesmas condições laborais para os cerca de quatro mil trabalhadores. Mas num mundo em que o IKEA e a Delta se arriscam a ser exceção, num contexto em que o combate à pandemia na Suécia pode apelar pouco aquela nacionalidade, o papel que o IKEA assume numa situação de crise é uma atitude exemplo. E é por isso que nos basta ler as notícias ou olhar a nossa volta para dizer, sem grande margem para erro, que há empresas portuguesas que podiam ser um bocadinho suecas.

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