Os contornos são estes: no dia 10 de Julho pedi acesso à declaração única de um deputado. O objectivo era pedir acesso às declarações dos 230 deputados à Assembleia da República, mas queria experimentar a novíssima plataforma electrónica e, depois de perceber que preencher todos os campos demora uns bons minutos, decidi ficar-me por ali e esperar pela resposta.

A negativa chegou dois dias depois, com um anexo de quatro páginas a fundamentar o não. A Entidade para a Transparência (ou será contra a transparência?) pedia-me que justificasse o meu pedido no prazo de dez dias, como determina a lei. Argumentava que ser jornalista e enviar em anexo uma cópia da carteira profissional não é motivo suficiente: "[...] não se especificando, designadamente, a natureza do trabalho jornalístico que se pretende levar a cabo a partir da consulta". 

E pedia, assim, que fundamentasse o meu interesse, dizendo que a lei "faz depender da consulta de elementos da declaração a existência de um “requerimento fundamentado”".

Estranhei. O que quer exactamente a Entidade para a Transparência (ou será contra a transparência?)? Que dê pormenores sobre "o trabalho jornalístico" que já perceberam (escrevem-no ali) que estou a fazer? E isso não é absolutamente contranatura e até antiético?

É verdade que, como diz na sua resposta, "não é ilimitado o direito fundamental que é reconhecido aos jornalistas de acederem às fontes de informação, na medida em que, também esse direito entra em colisão com a reserva da vida privada e com os dados pessoais de terceiros". Só que este não é o caso - e que poucas profissões serão tão reguladas. Além de que a utilização indevida destes dados é crime e punida por lei. Até um juiz, quando permite o acesso de um jornalista a um processo em tribunal, relembra que há dados sensíveis e protegidos que não devem nunca ser divulgados.

Mas tem de haver liberdade de acesso, com estas salvaguardas, que podem muito bem ser geridas pela Entidade para a Transparência, quer através do bloqueio de acesso a determinadas informações, como números de telemóvel ou moradas completas (embora, no caso dos deputados, devesse ser permitido saber de imediato a localização das suas casas, mesmo que só o concelho ou freguesia, já que isso tem permitido investigações como esta, que a RTP publicou em 2018).

Ainda, a tal lei, que já vai na sexta versão, diz sobre o acesso (artigo 17.º) que os dados "podem ser consultados, sem faculdade de reprodução, mediante requerimento fundamentado com identificação do requerente, que fica registado na entidade responsável pela análise e fiscalização das declarações apresentadas". Ora, dei todos os meus dados pessoais, incluindo número de contribuinte. O que seria preciso mais?

E foi isso mesmo que quis saber, primeiro por telefone, a seguir por email, já depois de falar com juristas e diversas pessoas ligadas ao combate à corrupção. Enquanto espero pelas respostas, o Expresso faz manchete com esta notícia: "Nova lei limita acesso às declarações e património dos políticos".

Dois dias depois, tinha as minhas respostas. E a autorização do pedido feito mais de um mês antes: "Demos seguimento ao pedido de consulta anteriormente formulado por V.ª Ex.ª, para o que considerámos a fundamentação apresentada na comunicação infra". Quis saber o que mudou entre uma e outra decisão, enviei novo email. É que não dei nem mais um pormenor sobre aquilo que a Entidade para a Transparência (ou será contra a transparência?) considerou logo no primeiro momento ser "a natureza do trabalho jornalístico". Mistérios.

Fiquei ainda a saber que "a plataforma eletrónica da Entidade para a Transparência não permite que seja feito um único pedido para a consulta de declarações de vários titulares. A consulta tem de ser, pois, solicitada titular a titular". O que, para uma plataforma tão recente e na chamada era do digital, é, a meu ver, um enorme erro. Resta-me o pedido de agendamento para, presencialmente, consultar as 230 declarações únicas. Em Coimbra, onde está a Entidade para a Transparência (ou será contra a transparência)?

Como dizia Paulo de Morais, presidente da Frente Cívica e co-fundador da Transparência e Integridade: "É imoral, ilegal e penso que até inconstitucional". E "é assim que se destrói uma democracia". Na verdade, com a criação da Entidade para a Transparência passou a ser mais difícil e burocrático aceder à declaração única de um político. "Perguntar não ofende". Às vezes. O que é uma maçada quando o trabalho da pessoa é exatamente fazer perguntas.

Este texto está escrito segundo o antigo Acordo Ortográfico