A viver desde 2013 em Nova Iorque, conversou com a Business Insider, o ano passado, em Lisboa, durante a Web Summit. Falou sobre Putin, a Rússia e a mãe que ainda lá vive. Mas também sobre como não sabe se podia voltar a sair de lá, caso o queira. “O problema não é entrar (porque tenho passaporte), é no sair”, revelou.

Só que o medo não se fica somente por aquilo que lhe pudesse acontecer numa visita à pátria. Kasparov também não pretende visitar países que colocassem em risco a sua segurança. Assim como adiantou também que não toma chá com estranhos, fazendo alusão à morte de Alexander Litvinenko, um ex-agente secreto do FSB (Serviço Federal de Segurança — a agência que sucedeu ao KGB) que, em 2006, foi envenenado quando alegadamente se encontrou com dois agentes de Putin num hotel em Londres.

“Estou fora da Rússia. O que é basicamente uma boa notícia. E não estrago a vida deles lá. [No entanto] eles podem, claro, criar problemas. E refiro-me a problemas reais, a qualquer um, em qualquer lugar. Só que é mais difícil fazê-lo em Nova Iorque do que em outros sítios. Na Europa, por exemplo, digamos na Grécia, o Chipre ou a Hungria… Esses são sítios onde a influência russa é muito forte”, disse.

Todavia, atualmente, pode dizer-se que Kasparov já não é uma das vozes mais proeminentes nos ataques diretos a Putin, mas este, segundo a Business Insider, que cita uma extensa investigação de seis partes do Buzzfeed, mantém a norma de fazer “desaparecer” russos que sejam “inconvenientes”. Só no Reino Unido terão sido mortos 14.

“Hoje duvido que Putin esteja demasiado preocupado por ser criticado — mesmo por mim. Chegou àquele ponto onde ter inimigos no mundo livre é muito importante para ele porque é um ponto que pode vender na Rússia. Neste momento, as sanções são o maior problema e isso é algo pelo qual ele [Putin] está desesperadamente à procura de qualquer instrumento negocial com o Trump para fazer um acordo ”, disse.

Em 2007, Oleg Kalugin, um ex-general da KGB (serviços secretos da União Soviética), à revista Foreign Policy, revelou que na lista de “assassinatos” do líder russo constava o nome de Kasparov. O que terá contribuído para tal? Um ano antes foi um dos responsáveis por fundar o “Outra Rússia”, um grupo de oposição liberal ao regime de Putin que foi impedido de participar nas sessões de voto pelas autoridades. E também pode ser uma das pessoas mais vocais na oposição ao atual presidente; tendo inclusivamente chegado ao ponto de escrever um livro sobre isso — “O Inimigo que Vem do Frio”, em Portugal. Nele faz referência para a passividade dos líderes do Ocidente na hora de lidar com o regime russo. O Jornal de Notícias, falando sobre o lançamento do mesmo, refere que o autor fala numa "mafia", fazendo o seu relato “histórico sobre a forma como a liderança (bem intencionada, mas ineficaz) de Boris Ieltsin e do seu sucessor no Kremlin, Vladimir Putin, torpedearam a legítima vontade do povo russo de viver numa sociedade democrática no pós-União Soviética”.

Nesse mesmo ano Kasparov foi preso duas vezes pela polícia e não obteve a permissão para organizar uma reunião oficial para os apoiantes do “Outra Rússia” — um pré-requisito para qualquer político que tenha a ambição de ver o seu nome nas urnas e concorrer com Putin nas eleições.

“As pessoas que os conheciam estão todas mortas porque foram vocais e bastante abertas. Eu sou calado. Há apenas um homem que é vocal e pode estar em sarilhos: [antigo] campeão do mundo de xadrez Kasparov. Tem sido bastante vocal nos seus ataques a Putin e eu acredito que é o próximo da lista”, disse Kalugin sobre as pessoas do partido da oposição a Putin.

Nascido em Baku, no Azerbaijão (União Soviética na altura), há 53 anos, é considerado um dos melhores jogadores de xadrez de todos os tempos, dominando o jogo entre 1985 e 2000. Foi também um dos criadores do 'Grand Chess Tour', um circuito que reúne os melhores do mundo.

Kasparov na Web Summit

A entrevista à Business Insider foi dada na cimeira tecnológica de Paddy Cosgrave, mas o seu papel não se resumiu apenas a responder às questões da imprensa, passando também pelo de orador. Em novembro do ano passado falou sobre o poder das máquinas e do futuro que nos espera. Desde a monitorização na Internet, à possibilidade da inteligência artificial poder ser usada para fins defensivos.

"É fácil assustar as pessoas falando nos 'terminators' e no 'matrix', mas cabe-nos a nós impor os limites às máquinas", disse o xadrezista, atual embaixador de Segurança da Avast, multinacional que desenvolve 'software' antivírus, durante uma conferência sobre "Inteligência Artificial - Ameaça ou Oportunidade?", disse.

Há pouco mais de vinte anos, o antigo campeão de xadrez foi derrotado pelo computador Deep Blue, da IBM, que em 11 de maio de 1997 entrava para a história como a primeira máquina a derrotar um campeão mundial da modalidade, disputa que Kasparov recordou durante a conferência.

Para Kasparov, "infelizmente é natural" que sejamos "espiados de todos os cantos", embora o queiramos evitar, razão pela qual devemos "combinar a inteligência humana e a memória das máquinas para nos protegermos" contra as ameaças das novas tecnologias, nomeadamente no que respeita à proteção e segurança de dados.

"Devemos parar de chorar pelo facto de a nossa informação ser recolhida, pois nunca vamos desistir destes aparelhos", referiu, notando que existe uma diferença entre os nossos dados "serem recolhidos pelo Google ou Facebook, nos Estados Unidos, ou por ferramentas semelhantes na Rússia ou na China".

Kasparov insistiu no facto de que o "poder destas ferramentas continua a crescer e não podemos pará-lo", sublinhando que é necessário certificarmo-nos de que a informação recolhida será protegida e não será usada para o mal.

"Tenho tentado estar no lado otimista, se não conseguirmos vencê-las [as novas tecnologias], juntamo-nos a elas", defendeu, observando que "a única solução para os problemas causados pela tecnologia de hoje é a tecnologia de amanhã".

Segundo Ondrej Vlcek, administrador com o pelouro da Tecnologia na Avast, a multinacional já chegou a travar 3,5 mil milhões de ataques de "malware" apenas num mês.

"A inteligência artificial pode ser usada para fins defensivos, mas ao mesmo tempo é uma verdadeira ameaça quando começa a ser usada pelos atacantes", concluiu.