A diretora do Museu do Design e da Moda (MUDE), Bárbara Coutinho, nega que tenha existido uma alegada coação para cedência de direitos de autor do arquiteto Alberto Caetano e do empresário Manuel Reis, relacionada com a instalação do MUDE, em 2009.

"Só pode ser coagido a perder os direitos de autor, quem tiver adquirido esses mesmos direitos de autor, e esse não é o caso", comentou a curadora questionada pela agência Lusa sobre uma notícia do semanário Expresso publicada na sexta-feira.

Na notícia é citado um texto a que o jornal teve acesso, do colecionador Francisco Capelo e do arquiteto Alberto Caetano, no qual denunciam uma “alegada cedência, sob coação, de direitos de autor da conceção do MUDE, à diretora Barbara Coutinho".

De acordo com a mesma notícia, "a base para o projeto museológico do futuro MUDE, Museu do Design e da Moda - Coleção Francisco Capelo, a partir da qual será preparado o respetivo concurso público, foi solicitada ao arquiteto Alberto Caetano e a Manuel Reis [fundador do Lux, já falecido], no tempo da presidência do engenheiro Carmona Rodrigues", afirmam.

Sobre a notícia do Expresso, a Câmara Municipal de Lisboa disse à agência Lusa que o estudo pedido não constituía um projeto de arquitetura ou de especialidade.

Bárbara Coutinho, por seu lado, nega a existência desses direitos sobre a conceção do museu: "Fui convidada em 2006 pelo engenheiro Carmona Rodrigues [presidente da Câmara de Lisboa, na altura] para vir conceber e desenvolver um novo Museu do Design, no qual uma das componentes era conceber o seu programa museológico".

Referindo que neste momento não tem nada mais a dizer sobre a acusação, a diretora do museu acrescentou, contudo: "Ao longo destes 17 anos tenho decidido reservar-me ao silêncio porque tenho priorizado o trabalho a desenvolver no MUDE com várias equipas, reservando-me o direito a exigir ou repor alguns esclarecimentos na altura certa".

"Neste momento em que estamos a trabalhar com todo o afinco para reabertura do edifício, numa semana de especial intensidade de trabalho, é altura de celebrar um longo caminho feito com a participação de muitas equipas, dos serviços da Câmara Municipal de Lisboa, e de um vasto conjunto de colaboradores externos", disse a responsável, doutorada em Arquitetura pelo Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, e mestre em História da Arte Contemporânea.

A curadora disse estar focada atualmente na reabertura do MUDE, "para oferecer à cidade, aos seus habitantes e a quem visita o museu, um espaço que dignifique a todos".

Contactada também pela Lusa, a Câmara Municipal de Lisboa (CML), que tutela o museu, rejeitou as acusações, respondendo com um esclarecimento por 'e-mail', no qual dá conta de que "a equipa constituída pelo arquiteto Alberto Caetano e pelo empresário Manuel Reis realizou, em anterior mandato autárquico, um estudo de viabilidade técnica para a instalação do MUDE e de uma Loja do Cidadão no edifício-sede do BNU".

"Esse estudo técnico tinha como objetivo a análise da viabilidade espacial das funções e necessidades descritas no programa museológico, elaborado por Bárbara Coutinho, não constituindo um projeto de arquitetura ou de especialidades", esclarece a autarquia.

A CML aponta ainda que "entre os que contribuíram para essa história do MUDE encontram-se o arquiteto Alberto Caetano e o empresário Manuel Reis, cujos contributos são, naturalmente, referenciados" no livro “Edifício MUDE. Transformações na perspetiva do design”, a lançar no dia da inauguração.

Ainda sobre as alegadas coações, a autarquia "rejeita qualquer tentativa de aproveitamento da circunstância da reabertura do MUDE para lançar suspeições sobre o bom nome desta instituição e daqueles que com ela trabalham".

"O recurso às instâncias competentes em matéria judicial será sempre uma possibilidade ao dispor de quem questione a legalidade dos procedimentos adotados pela autarquia", acrescenta a nota.

A Lusa tentou contactar o colecionador Francisco Capelo e o arquiteto Alberto Caetano, mas até ao momento não obteve respostas.

MUDE reabre a 25 de julho

O MUDE, inaugurado em 2009 na antiga sede do Banco Nacional Ultramarino, na Baixa de Lisboa, irá reabrir na quinta-feira, depois de concluídas as obras de requalificação integral do quarteirão que se prolongaram durante oito anos – com três anos de interrupção - e que foram desenvolvidas com base num projeto do arquiteto Luís Miguel Saraiva.

O museu reabrirá com a mostra “Edifício em Exposição”, que dará a conhecer a arquitetura, evolução e intervenções realizadas, na perspetiva do design, através de várias épocas.

O MUDE encerrou em maio de 2016, mas continuou a atividade numa programação de exposições, dentro e fora da capital, intitulada “MUDE Fora de Portas”.

As obras do edifício ficaram interrompidas, de 2018 a maio de 2021, devido à insolvência da empresa construtora, impondo a revisão de todo o projeto e a abertura de um novo concurso publico internacional, o que aconteceu em maio de 2021.

Dedicado a todas as expressões do design, que se espelham no seu acervo, o MUDE possui atualmente 16.951 peças e, destas, 1.362 fazem parte da “Coleção Francisco Capelo”, comprada ao colecionador pelo município de Lisboa em 2002.

Inaugurado em 2009, o MUDE recebeu, até à data de encerramento do edifício-sede, quase dois milhões de visitantes, em quase 60 exposições e cerca de 170 eventos relacionadas com o seu acervo.

“Um convite à mudança e à transformação, individual e coletiva”

A última semana antes da inauguração do museu totalmente remodelado, com novas valências, na antiga sede do Banco Nacional Ultramarino (BNU), será para instalar a nova exposição dedicada ao próprio edifício e às alterações nele feitas, pela perspetiva do design.

Apesar de ter mantido a atividade com exposições “fora de portas” ao longo de oito anos de encerramento, será a partir de 25 de julho que o museu “poderá começar a funcionar gradualmente em pleno”, com novas valências, ficando já disponível a biblioteca, onde os especialistas, estudantes e o publico geral interessado em design poderá consultar o arquivo de documentação.

Um auditório, parte da loja e os serviços educativos entram também em funcionamento. “A partir de final de setembro passarão a funcionar a cafetaria, o restaurante, a livraria”, indicou a diretora durante visita guiada à agência Lusa antes da inauguração, sublinhando que, com esta grande remodelação, o MUDE “fica com as potencialidades e os meios disponíveis para desenvolver a sua missão em pleno: debater e aprofundar as suas áreas”.

Bárbara Coutinho quer que o MUDE – cujo primeiro fim de semana de abertura terá entrada gratuita – se torne “um espaço de vida, de criatividade, um local de encontro e de reflexão” em Lisboa, e constitua “um convite à mudança e à transformação, individual e coletiva”.

“Edifício em Exposição” dá título à mostra de abertura – prevista para as 19:30 de quinta-feira – desenvolvida em quase seis mil metros quadrados, focada no edifício “considerado desde a primeira hora como uma primeira manifestação de uma política museológica, e sempre amadurecido, desde 2009, como parte integrante de um trabalho de reflexão e debate sobre o design na sua história e dimensão critica”, sublinhou.

A proposta expositiva consiste num percurso por 16 instalações em que cada visitante pode ir descobrindo objetos anteriores ao terramoto de 1755, projetos de arquitetos portugueses como Tertualiano Marques (1883-1942) e Luís Cristino da Silva (1896-1976), até ao projeto mais recente, de 2011.

“De uma forma indireta, é parte da história passada e recente de Portugal que se inscreve neste lugar central da Baixa pombalina”, disse a diretora, doutorada em Arquitetura pelo Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, e mestre em História da Arte Contemporânea.

Bárbara Coutinho – que espera ver o MUDE a funcionar em pleno até ao final do ano – deverá inaugurar no final de setembro a nova exposição de longa duração, com base no acervo, “que aumentou muito significativamente e se diversificou”, nestes últimos anos.

Além das peças da “Coleção Francisco Capelo”, os restantes 15.589 itens foram incorporados desde 2009, sendo resultado de doações e depósitos de longa duração, com uma política de incorporações que tem dado “prioridade à evolução do design e da cultura material em Portugal, de modo a poder contribuir para a sua preservação, salvaguarda, apresentação, internacionalização, estudo e análise crítica”.

No total, o acervo conta hoje com 15 coleções, estando mais três coleções em fase de incorporação: “Com estas incorporações que esperamos concluir até ao final deste ano, darão entrada mais cerca de 4.000 peças”, indicou a responsável, dando como exemplo do conteúdo do acervo a “Coleção B2/José Brandão/Salette Brandão”, a “Coleção João Machado” e a “Coleção Carlos Rocha”.

Coleção do Teatro da Cornucópia em exibição

A coleção do antigo Teatro da Cornucópia, que cessou atividade em 2016, é uma das doações que vieram ampliar o acervo do museu durante este período, através dos seus diretores, o cofundador Luis Miguel Cintra e a cenógrafa, figurinista e ‘designer’ Cristina Reis.

“O MUDE é, de facto, cada vez mais, um museu de todas as expressões do design, com núcleos de design de produto, design de moda, design gráfico, design de interiores, design de cena e de joalharia contemporânea”, salientou a curadora e professora.

As maiores diferenças irão sendo visíveis gradualmente, já com acessibilidade para todos os pisos, mais espaços de exposição, um terraço também aberto ao público, reservas visitáveis. Dentro de alguns meses, o acervo também passará a ser mostrado rotativamente na exposição de longa duração e em exposições temporárias.

Na remodelação, o projeto optou por “recuperar, restaurar e reusar a maior parte das estruturas e revestimentos existentes no local para permitir a redução de desperdícios de obra e limitar a produção de novos materiais de construção, tendo uma intencionalidade de sustentabilidade e economia de meios”, sublinhou Bárbara Coutinho.

A programação “MUDE Fora de Portas” – a que a diretora diz pretender dar continuidade – desenvolveu-se a partir de 2016 em diferentes espaços de Lisboa, do país e também do estrangeiro, com um total de 12 temporárias: onze em Portugal e uma no estrangeiro, em três países, de diferentes temáticas, abordagens e dimensões, além da colaboração do museu em alguns eventos internacionais.

Para o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, a reabertura do MUDE representa o esforço de muitos anos: “A dedicação enorme da diretora, Bárbara Coutinho, e de uma equipa extraordinária de 80 trabalhadores de muitas nacionalidades, cujas fotografias vão ficar expostas pelo menos até 30 de outubro”, salientou.

“É um dos maiores museus da Europa, um dos maiores museus do design do mundo, e isso é muito importante no posicionamento de Lisboa como cidade aberta, do futuro, em que a tecnologia e o conhecimento se unem ao passado, porque este edifício representa uma parte da nossa história, e só por si é uma peça de arte e design”, disse à Lusa, durante a visita ao MUDE.

Para o autarca, “o papel do design é a criatividade, e sem criatividade não há inovação, e sem inovação não há criação de emprego”.

Inaugurado em 2009, o MUDE recebeu, até à data de encerramento do edifício-sede, quase dois milhões de visitantes, em quase 60 exposições e cerca de 170 eventos relacionadas com o seu acervo.