"Mercado das Madrugadas”: mercado-performance-manif para descobrir como cumprir abril nas madrugadas que hão-de vir

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Integrado no ciclo Abril Abriu, do Teatro Nacional D. Maria II, o "Mercado das Madrugadas” estreia hoje, em Aveiro na Praça Dr. Joaquim Melo Freitas, onde ficará até dia 27 de abril. O SAPO24 falou com a autora e encenadora Patrícia Portela.
Aveiro 2024 DR

O espetáculo começa às 20h00 com entrada livre e pretende ser mercado-performance-manif no espaço público, onde se conta e se experiência a história dos primeiros 50 anos da revolução e se apresentam propostas para as revoluções futuras dos próximos 50 anos.

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Segundo a sinopse: "Num dia improvável mas muito possível, toda a gente decidirá não sair de casa. O mundo parará e fará greve a si próprio. Nesse dia, haverá tempo para pensar, para respirar, para chorar por todas as atrocidades cometidas até à data. Depois desse dia, voltaremos a sair e a ocupar as ruas, que é tudo o que precisamos para as transformar. Chegaremos a esta praça, o lugar de todos os encontros e possibilidades. Trocaremos propostas para os próximos 50 anos de abril. A noite cairá em marcha e em comunhão. O inevitável Amanhã começará".

O espetáculo conta com a interpretação de Diogo Dória, Mónica Coteriano, David Costa, Fred Botta, Miguel Baltazar, Beatriz Teodósio, Sara Alexandra, João Grosso, Ana Rocha, Célia Fechas e Elsa Bruxelas. Terá também a participação do Coro Menor, Coro de Câmara de Cascais, Coro Relâmpago de Aveiro e gemas de Aveiro.

A direção musical fica a cargo de Maria Repas.

Em entrevista ao SAPO24, autora e encenadora Patrícia Portela respondeu ao que se pode esperar deste espetáculo, mas também ao estado da profissão do artista em Portugal:

Este é um espetáculo que prevê o futuro? Quais são as grandes ameaças que aí vêm?

Este não é um espetáculo que prevê o futuro, este é um espetáculo que partilha desejos de mudança para o futuro. As ameaças são claras e estão aí: desastres ecológicos, uma saúde mental frágil, um modo de vida que mata as pessoas em vez de lhes dar um sentido, uma subida vertiginosa da direita populista em toda a Europa, uma escalada nos conflitos mundiais... não é preciso prever, nos tempos que correm é preciso prevenir, reparar, ter a coragem necessária para mudar o rumo às coisas.

Tantos espetáculos sobre Abril; em que é que este é diferente?

Nunca serão suficientes os espetáculos sobre Abril, nunca serão tantos, nunca serão demais. De certa forma espero que todos estes espetáculos sejam iguais numa vontade comum de manter o espírito de Abril, o espírito da revolta, da mudança, da liberdade para todos sempre viva e sempre melhor.

No caso deste em específico é um espetáculo que não é um espetáculo, é um encontro numa praça, o lugar onde todos nos podemos encontrar independentemente das nossas crenças religiosas e políticas e conversar, trocar ideias, trocar projetos, trocar bens. O Mercado das Madrugadas pretende ser um lugar onde nos perguntamos: o que queremos mudar? O que nos falta para fazer essa mudança? Quem queremos ser nesta praça, nesta vida, por estes dias? Queremos ser os que se revoltam? Os que se resignam? Os que não se importam? Os que desejam um mundo melhor? As vítimas? Os carrascos?

Este é um espetáculo com teatro e dança. Como foi encenar estas duas realidades?

Não são duas realidades, o teatro e a dança, a música, a cenografia, a culinária são elementos que interagem num mesmo espaço. A realidade é que tem múltiplas facetas, múltiplas artes dentro dela.

Provavelmente, muitos dos artistas que participam terão menos de 50 anos, não viveram o 25 de Abril (a própria Patrícia nasceu em 74). Isso criou algum desafio adicional?

Não é verdade que a maioria dos participantes deste projeto têm menos de 50 anos. Essa até foi uma das premissas deste projeto – temos pessoas que viveram e fizeram o 25 de Abril, temos pessoas que nasceram no ano da revolução e temos pessoas que têm agora vinte anos. Todos temos experiências diferentes do 25 de Abril e do que é viver em liberdade e democracia – e o desafio “adicional” que tivemos é o exato desafio na vida: viver, pensar e ensaiar em conjunto, aceitando e convivendo com as múltiplas perspetivas sobre um mesmo tema. Eu diria mesmo que essa é a componente mais forte deste espetáculo: ver a nossa diretora musical (Maria Repas) a chorar quando “reencenamos” ou “revivemos” um momento que aconteceu mesmo a um dos atores a 24 de abril de 74 e a dizer: “Patrícia, como é que estes miúdos jovens sabem como foi? Era mesmo assim!” Foi dos momentos mais emocionantes dos ensaios, mas também ver a geração mais velha aprender sobre os dramas e aflições das gerações mais novas e perceberem verdadeiramente quais são os problemas de uma geração que viveu com todas as condições e, ainda assim, não consegue “singrar” na vida. Foi fundamental para fazermos esta peça e para nos tornarmos melhores pessoas.

Como foi encenar tantos artistas envolvidos com coros regionais à mistura?

Um desafio que quase me deu cabo do fígado. Tive muito medo, também tive muita coragem que não sei de onde veio. Fui muito feliz a ensaiar este espetáculo e também aprendi muito, demais para aquilo que eu talvez imaginasse ou conseguisse... Foi bom! A vida, o trabalho, os ensaios, os dias deveriam ser sempre assim, um processo feito com a exata dose de loucura, impossibilidade, mas também carinho e cuidado... todos os dias afinávamos a máquina... também devo dizer que tive muita sorte – estou convencida de que estou a trabalhar com as pessoas mais talentosas, mais generosas e mais dedicadas do planeta.

Como é estrear em Aveiro na Capital Portuguesa da Cultura?

É um privilégio. É a terra do Zeca. É numa praça onde foram decapitados os primeiros republicanos que lutaram por um mundo diferente. É fazer a revolução. É partilhar esta ideia com quem nos abre a porta e diz: “Façam! Do que precisam?”. Foi isto que aconteceu com o Tetro Aveirense e com o Pedro Penim no Teatro Nacional Dona Maria II – ambos deram carta branca no primeiro encontro e juntaram esforços e disseram em conjunto: “começa aqui!”.

É sair dos lugares óbvios e arriscar não jogar em casa (em Lisboa, onde também quero muito estar com esta peça) e apresentar esta peça onde importa – em todas as praças onde nos recebam. Basta ter uma praça, uma ficha para ligar as gambiarras e quem se queira juntar com a sua voz, as suas receitas da avó, a sua energia. A peça adapta-se, acolhe e cresce com todos os que quiserem participar.

Quais os planos para levar o espetáculo a outros lugares? O Teatro Nacional D. Maria II vai continuar a viajar com o Mercado das Madrugadas pelo país?

Espero que sim, é esse o nosso desejo. A peça não se pode ficar por duas cidades, acho que fala a muita gente, a muitas gerações e fala de muitas ansiedades que são comuns.

Como é trabalhar projetos em Portugal e no estrangeiro, por exemplo na Bélgica, que diferenças?

Eu não poderei falar deste assunto sem ser suspeita – é claro que há mais condições de trabalho na Bélgica, mais orçamento, mas eu decidi regressar a Portugal este ano porque quero muito trabalhar aqui, quero muito devolver o que aprendi lá fora aos meus.

Quero muito levar o que fazemos aqui, com esta dedicação, com esta garra e com esta poesia ao resto do mundo. No dia em que conseguirmos um equilíbrio entre condições e alma, teremos o melhor dos dois mundos e Portugal tem as condições para ter tudo. Por vezes o que nos impede de sermos mais e melhores é a vontade política de nos manter sempre numa produção de cultura de ramalhete... para exibição e não para discussão e debate e criação de novo mundos. A classe política só tem de dizer “SIM” à classe cultural. Confiar nos seus artistas, confiar nos professores e dar-lhes todas as condições e nós fazemos o resto. Com uma boa escola e uma forte classe cultural e artística, seríamos imbatíveis e o melhor lugar para viver no planeta.

Se tivesse de descrever o "estado da arte" em Portugal a um americano ou a um francês, por exemplo, o que diria?
Imenso fogo no rabo e nenhum dinheiro na carteira. Até para o maior neoliberal isto pareceria um desperdício!!! Para um romântico, uma verdadeira desgraça de levar ao suicídio!

Não há ninguém que possa, com sanidade, concordar com a política cultural que se pratica neste país, que se dedica mais a aprovar edifícios e novos departamentos e descura os artistas e os pensadores. Em nenhuma visão do mundo, mesmo naquelas com as quais discordo veemente, se descura a arte, o pensamento e a cultura como estratégia (a não ser os ditadores, claro!)

Recorde-se que Aveiro é a primeira Capital Portuguesa da Cultura, sendo que em 2025 segue-se Braga e, em 2026, Ponta Delgada. Em 2027 não vai existir Capital Portuguesa da Cultura, porque haverá Capital Europeia da Cultura em Portugal, em Évora, mas em 2028, com concurso aberto, será selecionada uma nova cidade. A Capital Portuguesa da cultura tem um programa transversal ao ano inteiro que está disponível aqui.

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