Portugal: a terra do “desalojamento local”

Manuel Ribeiro
Manuel Ribeiro

Ao ler o texto que Bordalo II escreveu esta sexta-feira na sua conta do Instagram sobre a crise da habitação, vem à memória a história de Hélder Maia e Carla Lima, o casal que vive numa tenda de um parque de campismo porque, apesar de trabalharem, deixaram de conseguir pagar uma renda de casa.

Hoje soube-se que em alguns parques de campismo do distrito do Porto tem aumentado a procura e interesse  por autocaravanas: “fruto da subida dos custos da habitação”.

Em 2023, “em Portugal, há pessoas que se levantam todos os dias para trabalhar 8 ou mais horas e chegam ao final do mês sem sequer conseguir pagar uma casa onde viver”, escreveu o artista plástico.

Sobre a instalação de Artur Bordalo, o artista criticou a especulação imobiliária com uma nova instalação: a “Rua da Angústia”, na zona do Príncipe Real, em Lisboa, e apela a que o povo se manifeste no protesto "Casa para viver" agendado para amanhã, um pouco por todo o país.

Na sua conta de Instagram, Bordalo II publica uma foto da "Rua da Angústia" onde, em vez de casas, há tendas e bancos de jardim, o alojamento local é "desalojamento local", os sinais de proibição vêm com “exceto para turistas, nómadas digitais e vistos gold” e as placas de trânsito limitam-se a indicar o próximo “airbnb ou hostel”.

A instalação do artista surge como forma de protesto ao mercado imobiliário, à "ganância do privado" combinada com a "incompetência do estado", estas são as razões do esvaziamento das cidades apontadas pelo artista e não “os estrangeiros e muito menos os imigrantes”: “Não critico turistas, estrangeiros e muito menos imigrantes, mas sim a falta de medidas que consigam equilibrar a balança e parar de expulsar as pessoas que realmente vivem nas cidades”, diz Artur Bordalo na publicação que acompanha as instalações que colocou nas ruas e jardins da capital.

O “desalojamento local” está a roubar vida às cidades, a cada dia se perde a vizinhança - a “boa vizinhança” - e o sentido de comunidade esmorece perante os nossos olhos. Embora muitos neguem e afirmam que as cidades nunca estiveram com tanto movimento como antes. Sim, as cidades estão cheias, cheias de pessoas… que estão de passagem.

Num outro protesto, também em Lisboa, estudantes iniciaram uma ação para chamar a atenção para a crise da habitação e os seus efeitos nos estudantes universitários.

Pelas mãos do artista Ticiano Rottenstein ergueu-se em frente da Reitoria da Universidade de Lisboa um cubículo feito de pedaços de madeira, com porta e móveis dentro, e um cartaz à porta a dizer “Arrenda-se T0” e depois os sucessivos valores, riscados, de 300 e 600 euros, seguidos do valor atual, de 1.800 euros.

"Quando se deixam os mercados à solta o resultado são buracos a alugar por 2.000€ por mês e é por isso que é urgente regular a loucura da especulação que retira a dignidade a uns para encher os bolsos a outros", escreve ainda Bordalo II.

A crise na habitação é "um problema social que vai deixar marcas profundas – há uma enorme parte da população sem condições de pensar no futuro – e isso é um problema de todos", alerta o artista.

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